No último dia de folia, bloco Me Enterra Na Quarta celebra o fim de um carnaval que nasceu de novo
Vestidos de roxo e dourado, os integrantes do Me Enterra na Quarta brincaram com a morte, enquanto animaram foliões com mais de 150 instrumentos de percussão e metais. Nas fantasias, as caveiras, caixões e outros símbolos fúnebres são temáticas indispensáveis para quem presencia essa despedida da folia. Nesta Quarta-feira de Cinzas (22), no 19° desfile do bloco, a alegria refletiu o fim de um carnaval renovado, aliviado e cheio de vida.
Há 5 anos, Kabila Aruanda vem de São Paulo para desfilar como estandarte do cortejo. Fantasiada com as cores do Me Enterra, ela ergueu o nome do bloco com muito orgulho em uma apresentação que, para ela, foi ainda mais sagrada que o normal. Dessa vez, Kabila desfilou pela primeira vez após sua transição, que aconteceu durante a pandemia.
— É a primeira vez que seguro esse estandarte após minha transição. Hoje estou aqui, como travesti, aos meus 50 anos. É o carnaval do alívio para mim e para todos nós — disse.
Quando esteve no bloco pela primeira vez, Kabila se apaixonou pelos metais, como trombones, trompetes e saxofones que são marcados pelas várias caixas, surdos, agogôs e xequerês. Os sons impossíveis de serem ignorados atraem os moradores do bairro, que vão às janelas para apreciar a mistura de sons.
Os instrumentos são a marca registrada do cortejo, idealizado por um grupo de amigos, em 2004. Na época, Jo Codeço, um dos diretores do Me Enterra na Quarta, se reuniu com amigos do curso de música, que decidiram estender um pouco mais a folia, saindo nas ruas para tocar na Quarta-feira de Cinzas.
— Já fomos um grupo pequeno, hoje reunimos mais de 150 integrantes e arrastamos muita gente. A volta em 2023 é muito especial para nós, isso é um trabalho de mais de um ano que recomeça nesse momento - contou Jo.
Para celebrar o retorno do bloco às ruas, os integrantes decidiram dar uma cara nova a alguns detalhes da festa. A Boneca Jajá, mascote do Me Enterra, recebeu um tratamento especial e voltou às ruas de cara nova. A foliona Elisabete, que desfila no Me Enterra desde a criação do bloco, decidiu realizar esse trabalho, adicionando pedras coloridas, deixando a boneca com uma aparência que é uma releitura das caveiras mexicanas.
— Ela estava guardada a muito tempo, desde o último desfile, então parecia um pouco "acabada". Por isso, decidi renovar o visual — contou.
Fora do cordão do bloco, a foliona Carolina Lima, que sempre acompanha o Me Enterra, caprichou na purpurina para acompanhar o cortejo pelas ladeiras do bairro e se despedir da festa com chave de ouro. Segundo ela, o carnaval de rua deste ano se destacou pela grande presença do povo, pelas fantasias super elaboradas e pelo clima de alegria, como nunca antes.
— As pessoas foram às ruas celebrar a possibilidade de estar aqui, festejando e aproveitando algo que é tão importante para nós quanto o carnaval. Nunca vi tanta gente e todo mundo viveu esses dias com muita entrega e animação.
O cordão, que nasceu no Bar Miudinho, próximo ao Largo do Guimarães, no histórico bairro de Santa Teresa, toca marchinhas, maracatus, ijexás, sambas e frevos, e tornou-se, ao longo dos anos, um dos mais tradicionais das ruas cariocas. A ideia de seus criadores era algo que se assemelhasse aos antigos blocos carnavalescos, que percorriam as ruas do Rio no início do século XX. Sem aparatos de som, o Me Enterra Na Quarta desce as ladeiras do bairro onde nasceu e arrasta, anualmente, milhares de foliões fiéis.
* Estagiária sob supervisão de Leila Youssef