Livro com relatos da ditadura joga luz sobre Brasil de Bolsonaro
A ordem de prisĂŁo contra um famoso policial, conhecido por seu âzelo patriĂłticoâ, causou supresa entre seus companheiros. Ele Ă© investigado sob a suspeita de participar de um assassinato patrocinado pelo milĂcia. Seus comparsas sĂŁo acusados de se chafurdar na corrupção e disfarçar a conduta criminosa alegando lutar contra a subversĂŁo.
O MDB estĂĄ mais dividido do que nunca.
O presidente nĂŁo promete nada alĂ©m de sacrifĂcios. Ele advertiu que o Brasil nĂŁo poderia escapar dos efeitos da crise de energia mundial e da instabilidade das relaçÔes internacionais.
O ano tem sido difĂcil para a economia brasileira.
A crescente escassez de algumas matĂ©rias-primas preocupa. SĂŁo tambĂ©m razĂ”es para tensĂŁo o descontentamento com a dura polĂtica salarial, a situação caĂłtica da carne, com preços subindo e filas que se estendem por muitas quadras.
LĂderes estrangeiros se reĂșnem com autoridades brasileiras, todos eles anticomunistas, para ensaiar a formação de uma abstrata frente âanti-marxistaâ.
LĂderes indĂgenas se reĂșnem para debater sua sobrevivĂȘncia. Eles denunciam a contĂnua invasĂŁo de seus territĂłrios por caçadores, garimpeiros, grandes fazendas e estradas.
Habitantes originĂĄrios das AmĂ©ricas, os Ăndios pedem a devolução de suas terras, das quais foram expulsos durante a colonização. Lideranças afirmam que âa terra pertence ao Ăndioâ e que âo Ăndio Ă© a prĂłpria terraâ.
Na AmazĂŽnia, o gado tem preferĂȘncia. As terras sĂŁo disputadas por arrendatĂĄrios, pequenos proprietĂĄrios, posseiros, grileiros e grandes empresas interessadas em expandir a criação de gado e a exploração mineral.
Novos sem-teto perderam suas terras e migraram para a cidade, inchando favelas.
Cientistas demonstram preocupação com o efeito de recentes decisĂ”es do governo, âuma catĂĄstrofe para a evolução da ciĂȘncia brasileiraâ. Eles se referem Ă estratĂ©gia que pretere pesquisas puras em favor de pesquisas aplicadas para benefĂcios comerciais e tecnolĂłgicos imediatos. Investimentos em pesquisa sĂŁo cancelados e institutos como o Butantan, em SĂŁo Paulo, correm riscos. A comunidade cientĂfica teme que critĂ©rios de curto prazo, como produtividade e lucro, se sobreponham Ă necessidade fundamental, mas de longo prazo, de pesquisa bĂĄsica.
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Outra årea de preocupação para os cientistas é a devastação ambiental que estå ocorrendo em um ritmo cada vez maior no Brasil.
O uso sem supervisĂŁo de pesticidas poderosos nĂŁo sĂł estĂĄ prejudicando o equilĂbrio ambiental, mas tem contribuĂdo para a morte de milhares de pessoas decorrentes de envenenamento e intoxicação.
Num asilo forçado, pesquisadores que foram obrigados a buscar trabalho e moradia fora do paĂs dizem que crescimento econĂŽmico e preservação do meio ambiente nĂŁo precisam ser incompatĂveis.
O governo espalha a mensagem de que estĂĄ tudo bem e que o presidente âsabe o que Ă© melhor para vocĂȘâ. Mas a oposição, capitalizando o sentimento de descontentamento com o aumento expressivo do preço dos alimentos, tem tudo para vencer a prĂłxima eleição.
A probabilidade de um voto massivo contra o governo e suas prioridades é tão provåvel que medidas desesperadas estão sendo defendidas. Uma delas visa melar as eleiçÔes.
Arcebispos da Igreja CatĂłlica condenam publicamente a fome, a exploração e a violĂȘncia em curso no paĂs.
Parecem notĂcias de ontem, mas os trechos acima, reproduzidos com uma ou outra adaptação, foram escritos entre 1973 e 1974. Eles fazem parte do livro âNossa correspondente informaâ, conjunto de notĂcias e anĂĄlises escritas pela jornalista inglesa Jan Rocha e que acaba de ser lançado pela Alameda Editorial.
RepĂłrter premiada, Jan Rocha chegou ao Brasil em 1969 e trabalhou como correspondente da rĂĄdio BBC e do jornal The Guardian. Em tempos de censura, a rede pĂșblica britĂąnica era uma importante fonte de notĂcias sobre o paĂs. Os relatos eram muitas vezes enviados por fita cassete levada por algum passageiro internacional para driblar o cerco da PolĂcia Federal.
JĂĄ no prefĂĄcio, Jan Rocha conta que teve a ideia de publicar suas reportagens escritas durante a ditadura quando ouviu Bolsonaro descrever os anos de chumbo como âum movimento democrĂĄticoâ, negando as torturas e elogiando um torturador.
As similaridades de seus relatos com o Brasil atual, comandado por um fĂŁ da ditadura, impressionam.
Crise, violĂȘncia, perseguição, desprezo Ă ciĂȘncia e ao meio ambiente: estava tudo lĂĄ. E ainda estĂĄ.
Como um alerta para a atualidade, o livro permite vislumbrar atĂ© onde a crise pode chegar. Em 1975, a primeira notĂcia enviada pela correspondente descreve a prisĂŁo de jornalistas, uma consequĂȘncia da escalada de violĂȘncia dos anos anteriores.
O distanciamento permite tambĂ©m algumas reticĂȘncias. O presidente da Ă©poca, Ernesto Geisel, estava comprometido em emparedar a linha-dura do regime e aos poucos tirar o Brasil da ditadura. O atual e seus subalternos linha-dura sonham em nos colocar em uma.