Livro com relatos da ditadura joga luz sobre Brasil de Bolsonaro

A indigenous woman kneels during a protest against Brazil's President Jair Bolsonaro and for land demarcation in front of the Planalto Palace in Brasilia, Brazil August 27, 2021. REUTERS/Amanda Perobelli     TPX IMAGES OF THE DAY
Como no Brasil da ditadura, Ă­ndios seguem reivindicando a devolução de suas terras, das quais foram expulsos durante a colonização e afirmam que “a terra pertence ao Ă­ndio, o Ă­ndio Ă© a prĂłpria terra”. Foto: Amanda Perobelli/Reuters

A ordem de prisĂŁo contra um famoso policial, conhecido por seu “zelo patriĂłtico”, causou supresa entre seus companheiros. Ele Ă© investigado sob a suspeita de participar de um assassinato patrocinado pelo milĂ­cia. Seus comparsas sĂŁo acusados de se chafurdar na corrupção e disfarçar a conduta criminosa alegando lutar contra a subversĂŁo.

O MDB estĂĄ mais dividido do que nunca.

O presidente não promete nada além de sacrifícios. Ele advertiu que o Brasil não poderia escapar dos efeitos da crise de energia mundial e da instabilidade das relaçÔes internacionais.

O ano tem sido difĂ­cil para a economia brasileira.

A crescente escassez de algumas matérias-primas preocupa. São também razÔes para tensão o descontentamento com a dura política salarial, a situação caótica da carne, com preços subindo e filas que se estendem por muitas quadras.

LĂ­deres estrangeiros se reĂșnem com autoridades brasileiras, todos eles anticomunistas, para ensaiar a formação de uma abstrata frente “anti-marxista”.

LĂ­deres indĂ­genas se reĂșnem para debater sua sobrevivĂȘncia. Eles denunciam a contĂ­nua invasĂŁo de seus territĂłrios por caçadores, garimpeiros, grandes fazendas e estradas.

Habitantes originĂĄrios das AmĂ©ricas, os Ă­ndios pedem a devolução de suas terras, das quais foram expulsos durante a colonização. Lideranças afirmam que “a terra pertence ao Ă­ndio” e que “o Ă­ndio Ă© a prĂłpria terra”.

Na AmazĂŽnia, o gado tem preferĂȘncia. As terras sĂŁo disputadas por arrendatĂĄrios, pequenos proprietĂĄrios, posseiros, grileiros e grandes empresas interessadas em expandir a criação de gado e a exploração mineral.

Novos sem-teto perderam suas terras e migraram para a cidade, inchando favelas.

Cientistas demonstram preocupação com o efeito de recentes decisĂ”es do governo, “uma catĂĄstrofe para a evolução da ciĂȘncia brasileira”. Eles se referem Ă  estratĂ©gia que pretere pesquisas puras em favor de pesquisas aplicadas para benefĂ­cios comerciais e tecnolĂłgicos imediatos. Investimentos em pesquisa sĂŁo cancelados e institutos como o Butantan, em SĂŁo Paulo, correm riscos. A comunidade cientĂ­fica teme que critĂ©rios de curto prazo, como produtividade e lucro, se sobreponham Ă  necessidade fundamental, mas de longo prazo, de pesquisa bĂĄsica.

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Outra årea de preocupação para os cientistas é a devastação ambiental que estå ocorrendo em um ritmo cada vez maior no Brasil.

O uso sem supervisão de pesticidas poderosos não só estå prejudicando o equilíbrio ambiental, mas tem contribuído para a morte de milhares de pessoas decorrentes de envenenamento e intoxicação.

Num asilo forçado, pesquisadores que foram obrigados a buscar trabalho e moradia fora do país dizem que crescimento econÎmico e preservação do meio ambiente não precisam ser incompatíveis.

O governo espalha a mensagem de que estĂĄ tudo bem e que o presidente “sabe o que Ă© melhor para vocĂȘ”. Mas a oposição, capitalizando o sentimento de descontentamento com o aumento expressivo do preço dos alimentos, tem tudo para vencer a prĂłxima eleição.

A probabilidade de um voto massivo contra o governo e suas prioridades é tão provåvel que medidas desesperadas estão sendo defendidas. Uma delas visa melar as eleiçÔes.

Arcebispos da Igreja CatĂłlica condenam publicamente a fome, a exploração e a violĂȘncia em curso no paĂ­s.

Parecem notícias de ontem, mas os trechos acima, reproduzidos com uma ou outra adaptação, foram escritos entre 1973 e 1974. Eles fazem parte do livro “Nossa correspondente informa”, conjunto de notícias e análises escritas pela jornalista inglesa Jan Rocha e que acaba de ser lançado pela Alameda Editorial.

RepĂłrter premiada, Jan Rocha chegou ao Brasil em 1969 e trabalhou como correspondente da rĂĄdio BBC e do jornal The Guardian. Em tempos de censura, a rede pĂșblica britĂąnica era uma importante fonte de notĂ­cias sobre o paĂ­s. Os relatos eram muitas vezes enviados por fita cassete levada por algum passageiro internacional para driblar o cerco da PolĂ­cia Federal.

Já no prefácio, Jan Rocha conta que teve a ideia de publicar suas reportagens escritas durante a ditadura quando ouviu Bolsonaro descrever os anos de chumbo como “um movimento democrático”, negando as torturas e elogiando um torturador.

As similaridades de seus relatos com o Brasil atual, comandado por um fĂŁ da ditadura, impressionam.

Crise, violĂȘncia, perseguição, desprezo Ă  ciĂȘncia e ao meio ambiente: estava tudo lĂĄ. E ainda estĂĄ.

Como um alerta para a atualidade, o livro permite vislumbrar atĂ© onde a crise pode chegar. Em 1975, a primeira notĂ­cia enviada pela correspondente descreve a prisĂŁo de jornalistas, uma consequĂȘncia da escalada de violĂȘncia dos anos anteriores.

O distanciamento permite tambĂ©m algumas reticĂȘncias. O presidente da Ă©poca, Ernesto Geisel, estava comprometido em emparedar a linha-dura do regime e aos poucos tirar o Brasil da ditadura. O atual e seus subalternos linha-dura sonham em nos colocar em uma.