Nova sócia da Contém 1g, Julia Petit fala sobre volta ao YouTube e de palavras 'proibidas' em sua carreira
No número 767 da Rua Cônego Eugênio Leite, no bairro de Pinheiros, em São Paulo, há uma Disneylândia dos cosméticos. É ali que a empresária Julia Petit, de 50 anos, montou o QG da Sallve empresa de skincare que fundou em 2018, e de sua nova empreitada, a marca de cosméticos Contém 1g, arrematada em um leilão de massa falida, no final do ano passado. A marca de maquiagens chegou a ter 70 lojas no país e um peso grande no gosto da consumidora nacional: em um tempo no qual era difícil acessar itens de beleza importados, era responsável por oferecer cores e acabamentos especiais. E dá-lhe sombras intensas (acredite, eram raridade), novas texturas (nessa época, a maquiagem mineral foi um acontecimento) e um bom portfólio de bases. O negócio é tocado ao lado de seu sócio na Sallve, Daniel Wjuniski.
O tino para a criação é de família: Julia é filha de Francesc Petit, morto em 2013, fundador da agência de publicidade DPZ, onde ela também trabalhou. “Brincamos que a Contém 1g tem que ser 80% de salada e 20% de droga”, brinca Julia, referindo-se à necessidade de ter uma seleção de produtos funcionais, mas também arrojados. A piada é herança de um meme da internet — ambiente onde ela passa horas a fio, monitorando comentários e ondas de interesse. Parte fundamental de seu trabalho, ela explica. “A mudança mais chocante desde 2018 (quando a Contém iniciou o processo de falência) acontece quando a geração passou da maquiagem corretiva para algo mais expressivo. As pessoas são mais livres”, teoriza. “Queremos contar que estamos fazendo coisas novas, mas com ainda mais qualidade do que havia antes” promete.
O anúncio de Julia à frente de uma marca de maquiagem era inesperado no Brasil, explica a maquiadora Vanessa Rozan, uma das mais respeitadas profissionais do ramo.
“É um caminho muito interessante o dela. Eu como mulher vejo que quando estamos acima dos 40 anos não temos mais muito espaço nesse mercado. Qual maquiadora com mais de 40 segue como expert de beleza para uma marca? Fora do Brasil, as consultoras têm mais ou menos essa idade. Aqui não, se você faz essa idade, você morreu. O que a Julia está fazendo é muito importante”, diz.
Com a aquisição da nova empresa, Julia retomou uma atividade que praticamente inaugurou no Brasil: os tutoriais de automaquiagem no YouTube. Quando ela começou com a prática, esse tipo de conteúdo era raridade por aqui.
Há cinco anos, porém, quando todo mundo passou a fazer o mesmo, a blogueira deixou a ideia de lado e aposentou os pincéis. Agora, para vender o próprio produto, voltou com regularidade (e entusiasmo).
“Perdi as contas de quanto tempo havia que não filmava um tutorial. Não é desafiador me olhar na câmera, sabe? O complicado é lembrar, depois de uma pandemia, como se faz um delineador (risos), você perde a mão. Hoje em dia, esse tipo de conteúdo é muito mais produzido do que era na minha época, mas sigo com vontade de fazer tudo do jeito que era. Em casa. Claro que tem menos audiência, mas sou youtuber, não sou tiktoker”,diz.
O jeitão despachado, mas habilidoso para passar maquiagem, foi o que fez Julia tornar-se uma celebridade digital, it-girl, como se dizia na virada da década passada. No seu canal do YouTube e no portal Petiscos, fundado em 2008, chegou a ter dezenas de funcionários e a publicitária fazia um escrutínio intenso do que era novidade no mercado da moda e da beleza. O portal, inclusive, foi decisivo para o sucesso de outros criadores, caso da designer de joias Mariah Rovery, que teve um grande impulso na carreira ao passar pelo crivo de Julia. “Ela me disse que não queria remuneração por modelar nas fotos. Queria mesmo ver minha marca acontecer”, diz. No site havia uma lista de palavras a serem evitadas pelos produtores de conteúdo, com a intenção de não incentivar um consumismo desenfreado. “O consumismo sempre foi uma preocupação enorme para mim, não dá para ficar provocando as pessoas a comprar sem parar. ‘Produto queridinho’, ‘precisa ter’ eram expressões proibidas e continuam sendo.”
A idade de Julia funcionou como um trunfo. Debutou como blogueira já aos 35 anos, com uma filha adolescente (Nina, criada por ela e seus pais, hoje tem 28 anos), e, portanto, sempre fez questão de preservar a menina. “Fiz tudo pensando nela. Foi uma garota que cresceu no meio da publicidade, da moda e da beleza. Essa aura do consumo sempre esteve presente. Pensava que, se ela acreditasse piamente em tudo isso que a cercava, ia virar uma doida”, rememora. Hoje, a jovem mora em Barcelona, trabalhando na área de hotelaria e não tem perfil aberto nas redes sociais.
Julia, inclusive, não entra fundo em assuntos sobre a vida pessoal. Foge até de perguntas sobre seu peso — um tema que era obsessão anos atrás, dada sua silhueta esguia. “Na real, não gosto de falar quase nada. Claro, se você me perguntar o perfume que eu uso, eu passo. Não falo da minha vida pessoal com Tiago (Gass, seu marido) e Nina. Vejo os dois muito atingidos pelo que eu faço. Penso que quase nada da minha vida se aplica à existência do outro.”
Sobre envelhecimento, ainda se divide, não sabe se gostaria de dar mais depoimentos sobre a questão. “Ainda não cheguei a uma conclusão se quero falar. Etarismo é muito ruim para todo mundo e pior para a mulher. Só que também gosto de ignorar essas pessoas (preconceituosas). Acho importante que se dê luz a esse problema, mas também gosto de pensar: que se dane essa gente toda!”
E se para falar Julia apresenta resistência, é em sua habilidade de escuta que está fincada uma boa parte do sucesso de seu negócio. Os cerca de 30 produtos que fazem parte do portfólio da Sallve foram desenvolvidos tendo em vista as mensagens que seguidores e clientes enviavam. Além de afiadas pesquisas de mercado, é claro.
“O que ela faz é construir a marca para comunidades existentes e novos grupos que vêm se formando. Isso é excelente. A Contém 1g, à sua maneira, é sexy, é interessante e Julia consegue falar diretamente com quem compra. Porque pergunta o que eles querem e o que gostam”, diz Gabriel Lima, diretor de operações da MField, uma agência de conteúdo para marcas por influenciadores. Julia olha para o presente com uma expressão curiosa. “Passo o tempo todo prestando atenção no comportamento das pessoas. É quase um cacoete. Meu maior interesse é entender o que está acontecendo”. Pelo visto, deu certo.