O anestesista e a dor humana
A cena monstruosa reproduzida inĂșmeras vezes pelos veĂculos de comunicação mostrando o mĂ©dico anestesiologista Giovanni Quintella Bezerra estuprar uma paciente durante um parto em um hospital do Rio de Janeiro chocou o paĂs. O fato levantou uma sĂ©rie de discussĂ”es sobre segurança, risco, vulnerabilidade e proteção dos pacientes, especialmente em situaçÔes nas quais eles encontram-se sedados. Devemos desvincular a atuação do mĂ©dico que utiliza seus conhecimentos tĂ©cnicos em prol do paciente, de atos ilĂcitos e violentos como este que nĂŁo dizem respeito Ă prĂĄtica mĂ©dica.
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Ao fazermos uma pesquisa na internet com a palavra âanestesiologiaâ nos Ășltimos dias, encontramos inĂșmeras citaçÔes sobre esse ato monstruoso e, repito, isso nada tem a ver com a anestesiologia e nem tampouco com o exercĂcio da nobre arte da medicina.
A descoberta da anestesia foi uma das inovaçÔes que revolucionaram a medicina e impulsionaram o advento da cirurgia moderna. Utilizada em 1846 pela primeira vez por um dentista, em Boston, nos Estados Unidos, a anestesia com éter resultou em analgesia e sedação do paciente durante a cirurgia, aliviando o sofrimento.
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A anestesia geral chegou ao Brasil em 1847, quando o mĂ©dico Roberto Jorge Haddock Lobo realizou a primeira anestesia geral com Ă©ter em um hospital do Rio de Janeiro. O termo anestesiologia foi criado em 1902, e, no Brasil, hoje, temos em torno de 23 mil mĂ©dicos anestesiologistas, sendo considerada a 5ÂȘ maior especialidade mĂ©dica do paĂs.
A formação do mĂ©dico anestesiologista no Brasil, alĂ©m dos seis anos de faculdade Ă© complementada por trĂȘs anos de especialização (residĂȘncia mĂ©dica), perĂodo no qual o profissional aperfeiçoa-se nas diversas tĂ©cnicas anestĂ©sicas, na prevenção e no tratamento da dor, em monitorização cardiovascular, respiratĂłria e neurolĂłgica, em farmacologia, em medicina perioperatĂłria e em terapia intensiva alĂ©m de ser treinado para realizar procedimentos como intubação e passagem de cateteres.
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O fato de muitas vezes o paciente estar sedado durante a anestesia nĂŁo pode ser considerado uma âdesumanizaçãoâ do cuidado atĂ© porque hoje Ă© essencial Ă formação do anestesiologista o fortalecimento das tĂ©cnicas de comunicação com o paciente e familiares, alĂ©m do uso rotineiro de termos de consentimento e a implementação de protocolos de anestesia segura, reconhecidos em todo o mundo.
Evitar um crime tĂŁo grave como este Ă© tĂŁo importante quanto investigar e responsabilizar o culpado de modo exemplar. Os hospitais de todo o paĂs devem ter implementadas polĂticas de gerenciamento de risco e devem empregar protocolos e diretrizes de diagnĂłstico e terapĂȘutica, com auditorias sĂ©rias e periĂłdicas. No que se refere especificamente Ă prĂĄtica da anestesiologia, o uso das medicaçÔes empregadas em anestesia deve ser controlado rigorosamente e a segurança do paciente deve ser prioridade.
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Desvios de conduta moral, Ă©tica e profissional, e a identificação de transtornos mentais que possam colocar em risco a prĂĄtica mĂ©dica devem ser monitorados jĂĄ na faculdade de medicina, impedindo que tais profissionais se formem e se transformem em risco para a sociedade. Ă importante ressaltar que todas as instituiçÔes de saĂșde devem ser rĂgidas na apuração de desvios de conduta e na punição dos envolvidos. A Coreia do Sul instalou cĂąmeras nos centros cirĂșrgicos de maneira obrigatĂłria, visando impedir e identificar erros que possam colocar em risco a vida do paciente. No Brasil, essa prĂĄtica ainda carece de discussĂŁo e de regulamentação.
Por fim, em pleno sĂ©culo XXI, apĂłs tantos avanços na medicina, lamentamos que a vĂtima, no caso, a paciente, nĂŁo teve como se defender da agressĂŁo, tendo sua integridade violada. Toda forma de violĂȘncia deve ser combatida, e, ainda mais quando se trata de uma mulher com suas defesas comprometidas durante um procedimento cirĂșrgico. Ressalto que a atrocidade em discussĂŁo nada tem a ver com a prĂĄtica da medicina, nem tampouco com os fundamentos da anestesiologia que sĂŁo aliviar a dor, evitar o sofrimento e propiciar segurança ao paciente.