Oito cidades do país somaram 1.485 alertas de risco, aponta centro nacional de monitoramento

À medida que fenômenos meteorológicos extremos como o do Litoral Norte de São Paulo se intensificam no país, a preocupação aumenta numa lista de cidades brasileiras que, nos últimos anos, lideraram o ranking de alertas de risco emitidos pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). Ao todo, de 2016 a 2022, oito municípios concentraram 1.485 avisos de possíveis deslizamentos, inundações e enxurradas. Desses, quatro são capitais — Manaus, São Paulo, Belo Horizonte e Salvador. Do total de notificações, 909 foram sobre risco hidrológico, dos quais 35% na capital paulista.

A relação dá pistas sobre as prioridades que devem ser atacadas pelo poder público. Atrás de São Paulo, vêm Petrópolis (214), Belo Horizonte (136), Guarulhos (123) e Manaus (121). No caso de deslizamentos, foram 576 avisos, com 162 deles direcionados a Manaus. Os outros tinham como alvo Salvador (127), Angra dos Reis (108), Ubatuba e Petrópolis (88). Essas informações foram repassadas ao governo federal, e o Ministério das Cidades afirma que, diante da emergência climática, dará ênfase a soluções para as periferias dos municípios que tenham mais alertas do Cemaden.

— Com eventos extremos mais frequentes e intensos, os impactos podem ser potencializados — diz Regina Alvalá, diretora substituta do Cemaden. — O Brasil tem muitas cidades pequenas e elas não necessariamente contam com estruturas e investimentos para se prepararem para estes fenômenos. Cidades grandes e capitais têm melhores condições de investimento, mas ainda estamos longe do patamar de países como o Japão.

Hoje, os reflexos do aquecimento global são sentidos de Norte a Sul. Pelo segundo ano consecutivo, o La Niña esfria as águas do Oceano Pacífico. No Sul, a consequência é estiagem, como mostra a seca no Rio Grande do Sul. No Sudeste, um corredor de ar quente e úmido veio do Atlântico Equatorial, passando pela floresta Amazônica. A temperatura mais quente que o normal favorece tempestades nunca vistas antes no país.

— A tendência de aumento dos extremos entre 2019 e 2022 está associada à atuação de uma La Niña — ressalta a diretora do Cemaden.

De acordo com levantamento do IBGE e do Cemaden, o Brasil tem 8.266.566 pessoas morando em áreas de risco de deslizamentos e enchentes, num total de 825 municípios. Quatro de cada 100 brasileiros vivem em risco e, no Sudeste, o número chega a 10 a cada 100, ou a 10% da população.

Os dados de 2019 mostram ainda que 3.205.132 pessoas estavam expostas a possíveis desastres nas regiões metropolitanas de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Espírito Santo. A população em áreas de risco chega a 60% no Rio de Janeiro, 53% em São Paulo e 47% em Belo Horizonte.

— Os extremos serão ainda mais intensos nos próximos anos — prevê o coordenador do Observatório do Clima, Tasso Azevedo.

Quanto mais adensadas as regiões impactadas, maiores podem ser as consequências negativas para a população. As construções irregulares na cidade de São Sebastião, que concentrou o maior número de vítimas em São Paulo, cresceram 15 vezes em 35 anos, conforme análise do MapBiomas revelada pelo GLOBO. Ao mesmo tempo, o total de habitantes do município quadruplicou. Mas mesmo cidades pacatas do interior não estão livres de intempéries. Em novembro do ano passado, um forte temporal de granizo no Sul de Minas deixou estragos em pelo menos 19 cidades da região. Em Cabo Verde, produtores rurais relataram prejuízos de quase 100%, e casas, escolas e postos de saúde foram destruídos. Mas a face da destruição é parecida em cidades grandes ou pequenas.

— As populações mais vulneráveis são as que sofrem os impactos mais significativos — diz Danielle Moreira, coordenadora do Grupo de Pesquisa Direito, Ambiente e Justiça no Antropoceno (JUMA) do NIMA/PUC-Rio, frisando que o Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima, de 2016, ficou engavetado nos últimos quatro anos. De 27 capitais, segundo o Iclei (Governos Locais para a Sustentabilidade), apenas 12 têm planos municipais. — Não temos políticas urbanas. Estamos falando de novas variáveis que precisam ser considerado na ocupação urbana, como calor extremo e locais que podem ficar submersos no futuro — alerta a pesquisadora.

Desigualdade é desafio

A explicação para a dimensão da tragédia que assolou o Litoral Norte de São Paulo tem raízes na desigualdade. Ela se combinou a anos de ineficiência política, ausência de programas habitacionais e de prevenção. Uma mistura que foi explosiva em tempos de alterações importantes no clima do planeta.

— Começa de um histórico excludente do processo de urbanização. Iniciativas ligadas ao turismo, à exploração de gás e petróleo e atividades de logística, com porto e expansão de rodovias, atraem a população, sem um planejamento urbano efetivo. Além disso, há as ocupações e as características geográficas do relevo. E, por fim, veio o temporal — observa o demógrafo César Marques, professor da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE. — Uma das maiores questões do litoral são as casas de uso ocasional. Entre 30% a 50% das moradias nestes lugares não são permanentes, o que cria uma pressão no mercado imobiliário e restringe o uso mais seguro do terreno e de mais infraestrutura.

Procurada pelo GLOBO, a prefeitura de São Sebastião informou que, em 2017, início da atual gestão, a cidade tinha 107 núcleos urbanos informais e que “não recebe verba para prevenção de desastres naturais desde 2013”. O governo de São Paulo não retornou.