Pandemia levou a aumento na busca por terapia e lotou agendas

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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Quando a pandemia da Covid-19 foi decretada, em março de 2020, famĂ­lias passaram a conviver dentro de casa numa frequĂȘncia antes inimaginĂĄvel. O medo da morte, a insegurança generalizada e o aumento da ansiedade fez com que pessoas corressem em busca de psicĂłlogos.

Nos piores momentos da crise que matou mais de 660 mil brasileiros, pacientes em isolamento social, com a casa cheia de familiares, se amontoavam nos banheiros ou recorriam aos bancos de carros para fazer terapia online.

ApĂłs um perĂ­odo de agendas lotadas e pacientes em desespero, especialistas analisam que, agora, as pessoas estĂŁo começando a deixar o modo "sobrevivĂȘncia biolĂłgica" de lado e passam por um momento de reflexĂŁo sobre o que mudou nos Ășltimos dois anos. É o momento de vivenciar lutos, tanto de pessoas que morreram quanto de projetos que foram descontinuados.

Hoje, psicĂłlogos notam que a agenda estĂĄ mais estabilizada do que no inĂ­cio da pandemia. O perfil daqueles que buscam terapia tambĂ©m mudou. Antes, a procura acontecia no estilo "pronto-socorro", em que pacientes precisavam ser ouvidos com urgĂȘncia.

"Agora, as pessoas estão mais assentadas. Passou o susto e o medo estå começando a recrudescer", analisa a psicanalista Blenda de Oliveira. "Mas algumas pessoas ainda estão com um pouco de medo e desconfiadas. Afinal, ainda não sabe quanto tempo vai durar o recrudescimento da pandemia", pondera a profissional, que cita o lockdown que ocorreu na China no início de abril.

Após um período assustador, reflete Blenda, é comum que a maioria das pessoas esteja, como diz o ditado, como "gato escaldado que tem medo de ågua fria''. "Sinto as pessoas com o pé atrås, o que eu acho que é bastante razoåvel e cada um tem que ir no seu ritmo", diz ela.

Uma pesquisa da ABPS (Associação Brasileira de Psicologia da SaĂșde) aponta que 83,5% dos psicĂłlogos ouvidos notaram um aumento de demanda de pacientes durante a pandemia. AlĂ©m disso, 86% perceberam que os pacientes tiveram um aumento no sofrimento durante o perĂ­odo.

A pesquisa ouviu até o momento 121 especialistas, entre outubro de 2020 e fevereiro de 2021. E também durante outubro e dezembro de 2021. Agora, uma terceira rodada estå em processo de anålise.

Miria Benincasa, secretåria da associação e que estå à frente do levantamento, afirma que a crise sanitåria serviu para tornar a psicologia uma terapia de primeira necessidade.

"Isso não ocorreu apenas em consultórios particulares, mas houve a solicitação da entrada do psicólogo para fazer trabalho com famílias com parentes internados que não tinham acesso à informação. O sofrimento mental acompanhava tanto quem estava dentro quanto quem estava fora", diz.

"Durante a pandemia, psicólogos ficaram sem horårio. Hoje, esse cenårio estå estabilizado", calcula a secretåria, relatando que era comum notar consultórios de profissionais recém-formados também sem horårio livre na agenda. "Isso foi inédito."

Outro levantamento, feito pelo jornal americano The New York Times, que ouviu 1.320 profissionais de saĂșde mental, mostrou um cenĂĄrio semelhante. Publicada em dezembro de 2021, a pesquisa apontou que nove entre dez terapeutas confirmaram que o nĂșmero de pacientes estava aumentando.

A maioria dos profissionais informou ainda que enfrenta listas de espera mais longas e dificuldade em atender Ă  demanda de pacientes. A procura, na maioria das vezes, acontece devido a ansiedade e depressĂŁo, mas problemas familiares e em relacionamentos dominam as conversas.

"Me parece que o isolamento social trouxe à tona conflitos históricos que eram diluídos na rotina da vida e exigiam menos atenção. Agora, o isolamento fez com que esses problemas exigissem essa atenção", afirma Benincasa.

Apesar do retorno da vida ao presencial ser necessårio, isso não é um processo fåcil, explicam os especialistas. Muitas pessoas estão encontrando dificuldade para retomar a interação.

Anna Carolina Bianco, vice-presidente do Conselho Federal de Psicologia, cita que, para os jovens, o retorno Ă© particularmente difĂ­cil. "É como se tivesse que recomeçar, com a retomada das aulas presenciais e o contato pessoal, e vemos dificuldades nisso, como casos de fobia", diz ela.

Um exemplo Ă© que, segundo dados da Secretaria da Educação de SĂŁo Paulo, nos dois primeiros meses de aula deste ano foram registrados 4.021 casos de agressĂ”es fĂ­sicas nas unidades estaduais --48,5% a mais que no mesmo perĂ­odo de 2019, Ășltimo ano em que os alunos frequentaram as aulas presenciais todos os dias.

Outro perfil que tambĂ©m tem sofrido com a retomada Ă  vida presencial inclui as pessoas que se acostumaram com o trabalho remoto, afirma a psicĂłloga. "Houve uma perda de laços sociais e nĂŁo tem como suportar todo mundo afastado. É necessĂĄria essa volta".

Outra parcela da população que tambĂ©m pode sofrer com a volta da vida presencial Ă© a das crianças. A psicĂłloga Elda Silva, que atende na ClĂ­nica PsicĂłlogos em SĂŁo Paulo, analisa que quanto mais nova a criança Ă©, mais fĂĄcil Ă© ela se adaptar. "A partir dos sete anos, eles tĂȘm uma dificuldade maior. Houve uma mudança abrupta. Em um momento eles estavam na escola, depois foram para casa e agora voltaram para o convĂ­vio. Isso gera insegurança."

A insegurança pode estar ligada ao fato de que, em meio aos piores momentos pandĂȘmicos, as pessoas aprenderam a se virar dentro de casa. Naquela Ă©poca, explica Marcelo Santos, psicĂłlogo e professor na ĂĄrea da Universidade Presbiteriana Mackenzie, as pessoas tinham controle da situação ao permanecerem em casa. Agora, isso foi perdido.

Ele afirma que percebe, hoje, uma alteração de humor mais evidente unida a uma certa melancolia.

"As pessoas vĂŁo ter que reaprender naturalmente o tato social, mas a queixa Ă© essa: 'Nossa, mas eu vou ter que ir ao trabalho, vou ter que interagir com pessoas, vou ter que pegar trĂąnsito de novo?'"

"VocĂȘ vĂȘ essas pessoas tendo que fazer um esforço adicional para voltar a ter as relaçÔes que tinham antes", diz ele, afinal, no presencial somos obrigados a conversar com quem gostamos, com quem nĂŁo gostamos e tudo que foi evitado em dois anos.

Pablo Castanho, professor do Ipusp (Instituto de Psicologia da Universidade de SĂŁo Paulo), analisa que Ă© comum que agora pessoas vivam processos que foram evitados no isolamento, como o luto.

"HĂĄ um tom mais depressivo e temos precisado entrar mais com tratamentos psiquiĂĄtricos", diz.

Para ele, a palavra "voltar" jå é enganosa. As pessoas estão retornando a ambientes que jå conheciam, porém em meio a um cenårio em que muita coisa mudou, afirma. "Quando falamos em retorno, não estamos falando que estamos voltando ao que era antes. Do ponto de vista psicológico, é quando as dores vão aparecendo."

Castanho nota que as pessoas estĂŁo tristes e irritadas. "Temos que pensar em estratĂ©gias de acolhimento nos retornos, como grupos em que as pessoas possam conversar. É preciso de um olhar dos gestores para entender os espaços de convivĂȘncia, do cafezinho, do bate-papo e, Ă s vezes, as pessoas nĂŁo percebem que isso Ă© importante para a saĂșde mental."

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