Parques naturais do Brasil ampliam estrutura de acessibilidade

***ARQUIVO***ITATIAIA, RJ, 28.11.2021 - O Parque Nacional de Itatiaia, no Rio de Janeiro. (Foto: Mathilde Missioneiro/Folhapress)
***ARQUIVO***ITATIAIA, RJ, 28.11.2021 - O Parque Nacional de Itatiaia, no Rio de Janeiro. (Foto: Mathilde Missioneiro/Folhapress)

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Logo após ficar cego, hå cerca de quatro anos, o dedetizador Leandro de Queirós Vieira, 45, visitou o Parque Nacional do Itatiaia, no Rio de Janeiro. Graças a uma trilha sensorial recém-instalada ali, pÎde experimentar com autonomia a variedade de fauna e flora que a mata atlùntica oferece ao andar descalço pelo caminho verde, apoiado em corrimão de madeira.

Leandro sentiu o cheiro da natureza, tocou um espécime de pau-brasil, pisou na areia, em pedras, na grama, em folhas e em pétalas. "Parecia um tapete de veludo", descreve.

A ação inclusiva faz parte de um movimento nacional para tornar a natureza brasileira um lugar mais acessĂ­vel para pĂșblicos diversos, como crianças, pessoas mais velhas, pais com carrinhos de bebĂȘs e pessoas com deficiĂȘncia sensorial, fĂ­sica e intelectual.

Parques naturais não podem sofrer alteraçÔes que modifiquem características do meio ambiente, então os gestores precisam promover as mudanças de forma sustentåvel e criativa.

"Por isso sĂŁo realizadas intervençÔes com impacto mĂ­nimo, sempre pensando na proteção tanto da natureza quanto dos visitantes. Conseguimos manter a experiĂȘncia mais primitiva, prĂłxima da natureza e, claro, mais acessĂ­vel", afirma Roberta Barbosa, coordenadora de planejamento, estruturação da visitação e do ecoturismo do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade).

A coordenadora cita alguns parques nacionais que contam com estruturas acessíveis modelos, como o Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha (PE), tombado como patrimînio mundial da humanidade pela Unesco, o Parque Nacional da Tijuca (RJ), que abriga a estátua do Cristo Redentor, a Chapada dos Veadeiros (GO), a Serra dos Órgãos (em Teresópolis, RJ) e o próprio Itatiaia, o primeiro parque nacional do país, que completa 85 anos.

"SĂŁo pontes e trilhas suspensas, bosques sensoriais, rampas, veĂ­culos, elevadores, cadeiras adaptadas a pessoas com mobilidade reduzida para a prĂĄtica de montanhismo e passeios por trilhas, anfĂ­bias [para serem usadas na ĂĄgua], e placas em braile, entre outros", afirma ela.

Outra atração inclusiva do parque Itatiaia é a calçada da fauna, onde as pegadas de animais como onças, capivaras e antas são cravadas em 20 placas numa trilha. Ali crianças, adultos e idosos podem ter a dimensão do tamanho dos animais apenas com o toque.

"É uma forma de as pessoas cegas sentirem a profundidade da pata de uma onça pintada ou de um gato do mato. Foi uma experiĂȘncia emocionante, muito interessante", conta Vieira, uma das primeiras pessoas com deficiĂȘncia visual a visitar o bosque sensorial do Itatiaia.

Segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) de 2019, o Brasil tem 17,3 milhÔes de brasileiros com algum tipo de dificuldade para ver, ouvir ou se locomover, ou seja, 8,4% da população do país.

Essas pessoas podem e devem ter os mesmos direitos de estar na natureza que qualquer outra, reforça Joice Tolentino, gerente de relaçÔes institucionais do Instituto Semeia, organização que busca valorização dos parques brasileiros.

"Se pensarmos que a acessibilidade ainda estĂĄ engatinhando no Brasil, esse dado do IBGE mostra um nĂșmero elevado de pessoas do paĂ­s que tĂȘm um contato limitado com a natureza ou, ainda, tĂȘm negada a oportunidade de visitar parques naturais e nĂŁo passam do portĂŁo de entrada", diz Tolentino.

"Sem isso, elas perdem uma chance de desenvolver uma consciĂȘncia dessa riqueza natural para preservĂĄ-la", completa a gerente.

Tolentino diz acreditar que o turismo sustentåvel pode ajudar a preservar os parques e também a angariar investimento para ampliar ainda mais a acessibilidade sem danificar a natureza.

"Os parques devem ser espaços para promover a diversidade e o encontro da comunidade. Ainda hå um longo caminho a percorrer, mas muitos avanços de inclusão jå são notados", avalia ela.

Mas o potencial de turismo Ă© subaproveitado atualmente, segundo Tolentino. "O turismo sustentĂĄvel poderia ser mais explorado, isso iria beneficiar nĂŁo sĂł os usuĂĄrios, como os prĂłprios parques. Todo mundo sai ganhando."

Ela diz, contudo, que é muito importante pensar na preservação da natureza para garantir o acesso a todas as pessoas de forma segura. Esse turismo, ressalta, deve ser adaptado tanto para ter estruturas que atendam a pessoas com mobilidade reduzida quanto a pais que levam seus filhos pequenos, que adoram correr livremente pelo espaço.

"Independentemente do pĂșblico-alvo, Ă© preciso olhar para exemplos do exterior, como Chile e Estados Unidos, para mostrar que tudo isso Ă© possĂ­vel. Faltam recursos para o desenvolvimento do turismo sustentĂĄvel, mas tem uma mĂĄxima que diz: 'Conhecer para preservar'. EntĂŁo, precisamos levar esse movimento adiante", afirma Tolentino.

O Brasil, país conhecido mundialmente pelas belezas naturais, tem um espaço verde acessível que atrai muitos turistas todos os anos, o Parque Nacional do Iguaçu, no Paranå, conhecido por ter uma das mais belas cataratas do mundo, e também reconhecido como patrimÎnio mundial natural pela Unesco.

Barbosa, do ICMBio, explica que para admirar as famosas quedas d'ĂĄgua, o parque oferece um sistema de transporte acessĂ­vel. Esses ĂŽnibus saem do centro de visitantes e levam os turistas atĂ© a passarela da chamada Garganta do Diabo. "É uma experiĂȘncia sensorial muito prĂłxima da natureza em ação", explica Tolentino.

No PiauĂ­, o Parque Nacional Serra da Capivara conta com 172 sĂ­tios arqueolĂłgicos, sendo 16 deles acessĂ­veis a turistas com alguma deficiĂȘncia. Eles possuem rampas, passarelas, corrimĂŁos, ĂĄreas de descanso, sinalização indicativa e interpretativa dos principais circuitos do parque.

"Um dos pontos que oferece acessibilidade nesse parque do PiauĂ­ Ă© o SĂ­tio do Meio e o BoqueirĂŁo da Pedra Furada", exemplifica a profissional do ICMBio.

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