Passagem de comando no Exército ignora 8 de janeiro e cúpula tenta mostrar união após princípio de crise
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O Exército usou a passagem de comando nesta terça-feira (7) para tentar demonstrar internamente que a coesão e o espírito de corpo do generalato não foram afetados, apesar do princípio de crise iniciado com a demissão do general Júlio César de Arruda e as críticas que o Alto Comando da Força tem recebido pela relação dos militares com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
O sinal foi repassado durante a passagem de comando do Exército, cerimônia em que Arruda repassou simbolicamente a chefia da Força Terrestre ao general Tomás Paiva --escolhido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para mudar as orientações aos militares e punir aqueles que participaram dos ataques de 8 de janeiro.
Além de todo o Alto Comando do Exército, participaram da cerimônia ex-comandantes e generais da reserva, como Villas Bôas e Hamilton Mourão, eleito senador pelo Republicanos do Rio Grande do Sul.
O ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira também participou da cerimônia, em sua primeira participação em eventos oficiais do Exército após a condução considerada por generais como errática na fiscalização das Forças Armadas no processo eleitoral.
No evento, a invasão às sedes dos Três Poderes e a forma como o Exército conduziu os acampamentos golpistas em frente aos quartéis-generais não foram citadas nos discursos, segundo relatos de quatro generais consultados pela reportagem.
Uma das principais dúvidas no governo seria o tom que Arruda daria em seu discurso. Após sua demissão, em janeiro, o general convocou uma reunião extraordinária do Alto Comando do Exército --ação entendida entre assessores palacianos como uma tentativa de Arruda de buscar apoio entre os pares, além de embutir uma ameaça velada.
Arruda, porém, fez longo discurso destacando a trajetória de 48 anos no Exército, com elogios ao ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, que o demitiu. Generais disseram que o ex-comandante saiu pela porta da frente, diferente do que ocorreu na Marinha, quando o almirante Almir Garnier deixou o comando da Força Naval sem entregar o cargo.
A cerimônia de passagem de comando foi mais restrita que o comum. A justificativa apresentada internamente é que o general Júlio César de Arruda ainda se recupera de uma cirurgia realizada no fim de janeiro, o que o impediria de participar de evento que o exigiria maior interação física.
A troca foi realizada no quartel-general do Exército, em Brasília, com a tradicional passagem da réplica da espada de Duque de Caxias, o patrono da Força.
Arruda foi demitido do comando do Exército após protagonizar uma série de desentendimentos com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e sua equipe. Os casos geraram uma "crise de confiança", segundo o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro.
As críticas a Arruda começaram antes mesmo de sua escolha. Durante a transição, quando Múcio decidiu promover os oficiais-generais mais antigos ao comando das Forças Armadas, petistas reclamaram a Lula sobre o perfil do general.
Ele é formado como forças especiais, a tropa de elite do Exército, uma das áreas mais influentes na carreira militar, conhecida pela rigidez de suas posições.
Antes de ser empossado, Lula já era aconselhado por aliados a escolher o segundo ou o terceiro mais antigo do Exército, Valério Stumpf ou Tomás Paiva, respectivamente. O segundo também é forças especiais, mas tem traquejo político conhecido por interlocutores do PT.
Tomás era chefe de gabinete do comandante Villas Bôas quando o general publicou um tuíte dizendo, na véspera do julgamento do habeas corpus impetrado por Lula no STF (Supremo Tribunal Federal), que repudiava a "impunidade".
Também pesava contra ele o fato de ter sido o comandante da Aman (Academia Militar das Agulhas Negras) em 2014, quando Bolsonaro aproveitou o fim de uma formatura para fazer campanha política aos cadetes.
Apesar das partes consideradas pelo PT pouco atrativas no currículo, o general construiu boa relação com Fernando Henrique Cardoso quando foi seu ajudante de ordens na Presidência, o que ajudou a quebrar resistências. Ainda é reconhecido por interlocutores petistas como legalista e moderado.
Desde que assumiu o comando, Tomás adotou postura diferente do antecessor. Sua primeira decisão foi negociar com o ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), tenente-coronel Mauro Cid, a suspensão de sua nomeação para o comando de uma tropa de elite do Exército em Goiânia (GO).
A resistência de Arruda a encontrar uma solução para a situação de Cid, investigado pela PF (Polícia Federal) e indiciado em dois inquéritos, foi a gota d'água para sua exoneração.
Tomás ainda articulou para antecipar a troca no comando do BGP (Batalhão da Guarda Presidencial), que ocorreu no fim de janeiro, e a chefia do Comando Militar do Planalto.
As duas funções lidam diretamente com a segurança do Palácio do Planalto, e seus comandantes sofreram críticas de Lula e ministros pelos ataques contra as sedes dos Poderes em 8 de janeiro.
Ao assumir a função, Tomás também se comprometeu a avançar com as investigações contra militares que tenham participado dos atos golpistas e buscar a responsabilização.
Neste sentido, o comandante teve agenda com uma série de figuras importantes do Judiciário e Ministério Público Militar nas últimas semanas, como a presidente do STF, ministra Rosa Weber, o ministro Mauro Campbell (Superior Tribunal de Justiça), o ministro Paulo Dias de Moura Ribeiro (STJ), o subprocurador Marcelo Weitzel Rabello de Souza (Ministério Público Militar) e o procurador-geral da Justiça Militar, Antônio Pereira Duarte.
Tomás também deu ordem para os generais que compõem o Alto Comando do Exército reforçarem a comunicação com as tropas, para manter o controle sobre toda a cadeia de comando e expurgar possíveis ideias que promovam insubordinação de oficiais em meio à politização e às sucessivas trocas de comando.