Guedes tinha razão para celebrar dólar a R$ 5 com 'muita besteira'
Paulo Guedes afirmou, no início da pandemia, que se fizesse “muita besteira” à frente do Ministério da Economia, o dólar poderia passar dos R$ 5 no futuro próximo. Um ano e meio se passou, e a cotação nesta segunda-feira 4 era de R$ 5,437.
Pouco antes, o superministro de Jair Bolsonaro havia festejado a tendência de alta da moeda americana. Com o câmbio dos governos anteriores a R$ 1,80, “todo mundo ia para a Disneylândia”. Até a empregada. “Uma festa danada”, classificou o ministro, antes de desenhar um roteiro de passeios turísticos domésticos pelo país.
Paulo Guedes tentava convencer os brasileiros de que dólar alto era “bom para todo mundo”. Todo mundo quem?
À época, pouca gente sabia que o titular da Economia era titular também de uma conta offshore nas Ilhas Virgens Britânicas. A conta possuía US$ 9,55 milhões em setembro de 2014, o equivalente a R$ 23 milhões. Graças a “muita besteira” de seu ministério, com o câmbio atual o valor corresponde hoje a R$ 51 milhões.
Embora não seja ilegal manter dinheiro em paraísos fiscais, desde que declarado ao Banco Central e à Receita Federal, quando ela envolve integrantes do alto escalão do governo a situação muda de figura. A existência dessa conta, revelada pelos repórteres Allan de Abreu e Ana Clara Costa, da revista “piauí”, tem tudo para se tornar uma grande fonte de estresse para o governo federal.
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Em seu perfil no Twitter, o líder da oposição na Câmara, deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), informou que deu entrada em uma representação ao Ministério Público contra Paulo Guedes e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto —que também detém uma conta em paraíso fiscal, segundo as revelações da Pandora Papers, como foi batizado o consórcio de investigação jornalística.
Segundo Molon, “é ilegal de que funcionários públicos de alto escalão, com acesso a informações privilegiadas, mantenham offshores em paraíso fiscal”.
Guedes, que antes de assumir o ministério atuava e fez fortuna no mercado financeiro, poderia escapar do constrangimento se a informação tivesse vindo à tona antes, quando foi apontado como fiador da candidatura de Jair Bolsonaro em 2018. Bastava dizer que não tinha intenção de movimentar as contas enquanto estivesse no posto. O conflito ao menos estaria escancarado antes de o eleitor tomar a sua decisão.
O resto do trabalho ficaria com o câmbio — e mesmo para o padrão bolsonarista seria impensável imaginar que a turma ferraria todo o andar de baixo com o dólar a R$ 5, pressionando a inflação, enquanto o titular da Economia via seu patrimônio se multiplicar sem sair do lugar.
Mas ao menos um ponto joga suspeita de atuação em causa própria do ministro: a remoção da proposta de taxar anualmente recursos em paraísos fiscais no projeto de reforma do Imposto de Renda. Embora tenha partido do próprio governo, a ideia caiu em julho após uma conversa entre Guedes e o relator, Celso Sabino (PSDB-PA).
Ainda no tempo da campanha, Guedes foi apontado como o Posto Ipiranga do futuro governo Bolsonaro, que admitia saber muito pouco ou quase nada de economia. A cada dia que passa o Posto Ipiranga parece ser apenas o homem errado na hora errada.
Ele seria mais um dos muitos integrantes da elite brasileira a manter seus lucros em dólar longe dos conterrâneos não fosse ele o responsável pela política econômica.
Nos protestos miados do fim de semana, marcados pela ausência de Luiz Inácio Lula da Silva, a quem o impeachment —a única pauta que parecia unir os militantes Brasil afora —não interessa, uma tentativa de associar o governo ao preço exorbitante de itens básicos de sobrevivência, como o botijão de gás, representada como um boneco gigante, foi ensaiada e ganhou tração nas redes.
As revelações da Pandora Papers chegaram com dois dias de atraso. Caso contrário, certamente o boneco do ministro que lucra com a própria besteira seria uma das atrações principais.