Picasso: cinco décadas após sua morte, museu se reinventa e ressalta o 'caráter sempre atual' do artista

O espanhol Pablo Picasso, um dos maiores e mais influentes artistas do século XX, morreu há exatos 50 anos, no dia 8 de março de 1973, aos 91 anos de idade. Nesta terça-feira, o Museu Nacional Picasso-Paris, com acervo de mais de 5 mil obras e 200 mil itens do estúdio e da coleção pessoal do artista, abriu uma exposição que marca essas cinco décadas. A instituição se lança em uma missão: atrair o público jovem ao trazer para obra do artista debates sobre questões de misoginia e colonialismo.

Rita Lee: artista anuncia lançamento de 'outra autobiografia'

Inteligência artificial: tecnologia é aliada de artista que 'materializa' filhos desaparecidos e mortos

Para isso, o museu convidou o designer de moda britânico Paul Smith para assinar a direção artística da mostra. A ideia da instituição é que, através do olhar "kitsch" e colorido do britânico, o público faça uma leitura “mais contemporânea” das obras do artista espanhol nascido no século retrasado. Em suma, como garante o museu, a exposição “ressalta o caráter sempre atual da obra de Picasso”.

Smith coloriu as paredes, transformou os espaços e ressignificou o modo como tradicionalmente se apresentam obras de Picasso e outros artistas "consagrados". O designer chegou a confessar publicamente que sentiu medo de "reinventar as salas" do museu, pois temia que o seu pouco conhecimento teórico do pai do Cubismo fizesse com que ele fosse acusado de ser "desrespeitoso" com a obra do artista. O nome escolhido para ela dá o tom da conversa: "Uma celebração a Picasso: a coleção ganha cores".

— Queríamos abrir o museu, atingir um público mais amplo e trazer todos esses debates: sobre mulheres, questões pós-coloniais e política. Trazer artistas novos e contemporâneos mostra que estamos abertos a todos os debates sobre Picasso. Colocamos essas questões na mesa e as discutimos sem pretender ter todas as respostas. Queríamos tornar Picasso relevante — disse a presidente do museu, Cécile Debray, em entrevista ao britânico The Guardian.

A mostra mistura obras de Picasso com as de pintores contemporâneos, incluindo importantes artistas negras, a fim de criar um diálogo entre elas e, assim, abrir um debate sobre feminismo, colonialismo e raça. Entre as artistas com obras expostas estão a nigeriana Obi Okigbo e a americana Mickalene Thomas, que, no Cubismo de Picasso, tem uma grande inspiração para os seus trabalhos com colagens.

Imersão em São Paulo

Do outro lado do Atlântico, aqui no Brasil, em São Paulo, a tecnologia imersiva é a ponte entre as obras de Picasso e os dias atuais. A partir desta quinta-feira, no MorumbiShopping, a mostra (que já esteve na França, nos EUA, no Canadá e na Espanha) estará aberta para quem quiser “entrar” nos quadros do cubista.

Em “Imagine Picasso”, as imagens de obras como a clássica “Les Demoiselle d’Avignon” (1907) saem das molduras para serem projetadas, em escalas enormes, nas paredes, no chão e em esculturas. As projeções duram 30 minutos e são acompanhadas de músicas contemporâneas ao artista espanhol.

— Como linguagem artística, imersões são um novo meio de transmitir emoção — afirma a diretora artística Annabelle Mauger.

— Concebemos a exposição para ser acessada por todas as pessoas, de adultos a crianças. É uma forma de descobrir que Picasso não é só uma assinatura em um quadro — conclui Annabelle.

'O homem mais livre do século XX'

No dia seguinte à morte de Picasso, em 9 de março de 1973, O GLOBO publicou uma reportagem com o seguinte título: "Para o povo espanhol, Pablo Picasso foi o homem mais livre do século XX". O texto, em parceria com agências internacionais, começava dizendo o seguinte: "As estações de rádio e de televisão da Espanha transmitiram, ontem, sem exceção, notícias sobre a morte de Pablo Picasso. O governo espanhol não se pronunciou".

Na sequência, uma fala do crítico espanhol de arte José Maria Moreno Galvan. Confira abaixo esse trecho da matéria:

"O famoso crítico espanhol de arte, José Maria Moreno Galvan, condenado a dois anos de prisão por ter feito conferência sobre Picasso, proibida pela polícia, declarou:

— Picasso é o maior artista de todos os tempos. Creio que é maior do que todos grandes artistas da História, maior do que Rembrandt, maior do que Velasquez, maior do que Goya. Parece-me que Picasso fez algo que é fundamental pela pintura de todos os tempos e do século XX. Picasso tornou livre a pintura. Livre da figuração; livre de todos os seus compromissos. Foi o pintor que possibilitou todas as liberdades possíveis da pintura. Foi quem possibilitou, por exemplo, a arte abstrata, esta coisa que em si mesmo não é nada. Mas ao mesmo tempo foi o homem que libertou-se da própria figuração, da própria representação.

E prosseguiu:

— Quero dizer que o grande segredo de Picasso era, a meu modo de ver, ter sido o pintor da liberdade. Sempre foi um homem que teve liberdade, não a que concediam, mas a que acreditava ter direito. Quer dizer, Picasso sempre estava pisando terrenos não autorizados. Sempre foi um pintor livre. E talvez o homem mais livre do século XX. Eu agora estou condenado a dois anos de prisão por uma homenagem a Picasso. Há algum tempo, quando me comunicaram esta sentença, da qual tenho recurso no Supremo Tribunal, pensei que era injusta. Agora penso que não. Penso que era justa e que está certo. Está certo que, por pensar que Picasso é quem é, tenhamos que pagar. Porque este é um país dramático, que deve pagar por suas próprias opiniões".