Por que "Top Gun: Maverick" é um filme muito melhor que o original
Resumo da análise:
"Top Gun: Maverick", um dos grandes filmes do ano, aperfeiçoa o clássico dos anos 1980
Novo longa se distancia da competição de ego masculina vista no primeiro filme
Entenda como Tom Cruise aperfeiçoou a história de um dos seus trabalhos mais icônicos
Pete "Maverick" Mitchell está de volta e muito melhor. A frase cabe tanto num anúncio de ponto de ônibus quanto em uma crítica de cinema sobre "Top Gun: Maverick", novo filme estrelado por Tom Cruise, atualmente em cartaz nos cinemas brasileiros. De muitas maneiras, o astro de 59 anos conseguiu melhorar o primeiro "Top Gun - Ases Indomáveis" (1986), um dos filmes mais icônicos dos anos 1980 e da sua carreira.
Mas seria o longa original tão bom quanto a nossa memória diz? Depois de ver os dois filmes em sequência, notamos alguns problemas da obra de Tony Scott - ainda mais vistos em comparação com outros ótimos elementos trazidos por Joseph Kosinski e Tom Cruise (afinal, o ator é sempre o chefe das produções em que atua) para a trama em 2022.
Abaixo, explicamos, em alguns tópicos, por que "Top Gun: Maverick" é um filme muito melhor que o original.
Dependência do carisma de Tom Cruise
Tom Cruise foi alvo de muitos comentários maldosos sobre a sua capacidade de atuação durante a sua carreira. A principal crítica contra o astro - a de que ele era incapaz de interpretar qualquer pessoa que não ele mesmo - nunca teve razão de existir. Jogando uma lupa sobre a sua carreira, percebemos que muitos dos seus filmes tiveram sucesso apoiado quase exclusivamente no carisma do ator. Podemos citar "Cocktail" (1988), "Vanilla Sky" (2001) e, claro, o primeiro "Top Gun".
Caso você pense em revisitar o longa original antes de assistir à continuação, prepare-se para algum nível de frustração. Até mesmo os fãs cheios de boas recordações da Sessão da Tarde (os mais velhos devem lembrar do filme com o título "Ases Indomáveis" nos anos 1980), deverão reconhecer que o longa de Tony Scott envelheceu (digamos com todo o eufemismo por respeito à memória afetiva coletiva) um pouco mal.
Com exceção dos óculos de sol Aviator da Ray-Ban, pouca coisa vista na história original faz sentido nos dias de hoje. Por mais que "Top Gun: Maverick" seja ainda um filme "cheio de testosterona", ele não pode, de forma alguma, ser comparado com a competição de ego masculina vista na história original. Mesmo com uma morte e um romance no roteiro, toda a tensão do antecessor era concentrada meramente nas trocas de olhares entre Tom Cruise e Val Kilmer no vestiário.
Até mesmo a trilha sonora do primeiro filme, realmente marcante, hoje soa como invasiva em diversas cenas. De forma acertada, o diretor Joseph Kosinski retirou até mesmo "Take My Breath Away", o hit romântico do longa, do remake. Assim como o velho Top Gun, trata-se de uma obra que só faz sentido em um contexto nostálgico. Felizmente, "Top Gun: Maverick" não olha para trás e nem deveria (afinal, curiosidade: nem todo avião de caça tem retrovisor).
Propaganda por propaganda
De certa forma, podemos enxergar o primeiro Top Gun como uma grande propaganda para a escola de pilotos de caça da Marinha dos Estados Unidos. Como explicitamos, o novo filme não é isento de ideologia, tal e qual toda obra de arte. A diferença que é "Maverick" se dispõe a contar uma boa história.
Diferentemente do primeiro filme, o novo longa se importa com os personagens. Não é difícil entender o momento da vida de Maverick, um veterano da Marinha que nunca subiu de cargo e muito menos criou laços afetivos duradouros com pessoas fora do trabalho. Bradley 'Rooster' Bradshaw, vivido por Miles Teller, por sua vez, rapidamente ganha uma história com motivações próprias e se livra da pecha fácil de roteiro de "filho do antigo parceiro de Tom Cruise". A interação entre os dois, aliás, é talvez o grande trunfo da obra que já se credencia para listas de melhores do ano.
A trama dos dois personagens é contada com ritmo, sendo intercalada por cenas de treinamento impactantes preparam o terreno para um grande desfecho com um ataque aéreo quase impossível de ser concretizado e a tentativa de Maverick de engatar um romance de meia-idade. A história é bem amarrada e cativante com tramas pessoais bem exploradas. Não é de se estranhar que o novo filme tenha um desfecho muito mais satisfatório e emocionante (com direito à trilha de Lady Gaga) que a "lição de companheirismo entre antigos rivais - ou desavenças resolvidas em prol do bem dos EUA" do antigo Top Gun.
Um casal com mais química
A ausência de Kelly McGillis, intérprete de Charlie, par romântico de Tom Cruise no primeiro filme, causou polêmica antes do lançamento de "Top Gun: Maverick". A atriz de 62 anos alega ter sido excluída por estar "velha e gorda". Além dela, Meg Ryan também teve o seu personagem excluído da sequência.
A crítica de McGillis é bastante plausível e mostra como Hollywood trata as mulheres mais velhas. No caso da atriz, o problema se torna mais complexo quando revisitamos o primeiro longa e percebemos como o seu personagem é deixado de lado na história. Apesar dos momentos sensuais ao som de "Take My Breath Away", a química de Tom Cruise na película é, convenhamos, toda com o rival Val Kilmer.
A emocionante aparição de Kilmer prega uma bonita homenagem ao primeiro filme e reforça como os dois atores se dão bem em cena. A diferença é que os anos de vestiário já se passaram e "Top Gun: Maverick", décadas depois do primeiro filme, tem ferramentas narrativas melhores para construir um novo romance para o personagem de Tom Cruise.
Penny, personagem de Jennifer Connelly, foi inserida de forma tão natural no novo filme que até confunde a nossa memória: ela realmente não estava no longa original? Na verdade, ela estava: a sua personagem é citada numa conversa do primeiro filme como "a filha do almirante que Maverick havia deixado a ver navios". A sacada dos roteiristas só atesta como "Top Gun: Maverick" aperfeiçoou até os mínimos detalhes do primeiro filme.
A defesa do cinema
Para além de todas as qualidades do filme, Tom Cruise ainda lança "Top Gun: Maverick" em um momento extremamente oportuno. Homenageado no Festival de Cannes, o ator de 59 anos declarou no evento que nunca lançaria o longa diretamente o streaming. "Olha só, temos que ter respeito pelas pessoas que trabalham com o cinema. E com isso quero dizer todas as pessoas, incluindo o pessoal que vende pipoca. Sabe, eu vou aos cinemas até hoje. Sim, é verdade. Eu entro na sala disfarçado e assisto aos filmes como qualquer um."
Com mais de 40 anos de carreira, o astro do cinema passou de fase para a carreira. Se o primeiro "Ases Indomáveis" era visto como um dos muitos filmes ufanistas de Hollywood dos anos de Ronald Reagan, o ator agora é homenageado fora do seu país e se coloca como defensor da indústria, lançando um ótimo filme para ser consumido preferencialmente com pipoca e refrigerante numa sala de cinema. O clichê "o tempo só fez bem para Tom Cruise" soa como uma verdade inescapável diante de "Top Gun: Maverick".
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