Prefeito do Porto mostra chaves que levam ao coração de D. Pedro e fecha a porta para uso político no Brasil: “Não vou emprestar para o governo atual”
A Câmara do Porto aprovou por unanimidade o empréstimo do coração de D.Pedro I para o Brasil na última segunda-feira. Nesse dia, o prefeito da cidade, o independente Rui Moreira, recebeu o Portugal Giro em seu gabinete para mostrar um conjunto de cinco chaves, guardadas no estojo de madeira original do século XIX. São elas que abrirão o monumento/mausoléu na Igreja da Lapa para iniciar a viagem transatlântica em 5 de setembro.
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O prefeito irá acompanhar o coração a bordo de um avião da FAB, com os custos bancados pelo Brasil, que pediu, através do Itamaraty, o coração emprestado para o bicentenário da Independência. Mas Moreira avisa: “Eu não vou emprestar o coração de D. Pedro I ao governo atual. O que nos foi pedido, foi pedido pelo Brasil”, disse, na entrevista a seguir.
Estas chaves abrem o mausoléu, mas não é o prefeito sozinho que faz isso. Como é a operação?
São cinco ou seis pessoas só para remover o coração de dentro da urna. É uma operação delicada, porque é preciso retirar primeiro uma chapa de bronze. A partir daí, com as chaves, retiramos uma pedra. Depois, há um conjunto sucessivo de cofres até o coração de D.Pedro I, que está numa urna, no interior de um frasco. Não é fácil.
Então, a sua função é guardar e manusear as chaves?
Não, não sou eu, eu apenas entrego as chaves para quem vai manusear, não tenho forças para isso. Tem que ser um super-homem.
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Vai acompanhar o voo, mas fica para as comemorações do bicentenário da Independência?
Não. Hoje (segunda-feira), o empréstimo foi aprovado por unanimidade na reunião do executivo da Câmara Municipal. Após o pedido de cedência temporária feito pelo Itamaraty, acertado com o governo português, eu irei levar o coração, devidamente acomodado, no dia 5 de setembro. Eu volto. E o coração voltará no final de setembro.
Tem receio que aconteça algo durante as viagens?
Não, se acontecer algo, prefiro que aconteça a mim.
E o que poderia acontecer de pior?
O avião cair (risos). Eu vou voltar sem o coração, que vai ficar no Brasil. E não temo nada por isso.
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Teve a oportunidade de ler a entrevista do escritor Laurentino Gomes à agência Lusa, que diz que o governo brasileiro imita a ditadura ao pedir o coração emprestado?
Ele é um jornalista famoso que acha que é historiador. Li vagamente. Conheço Laurentino há muitos anos, porque era presidente da Associação Comercial do Porto e ele, naquela época, escreveu vários livros sobre D. Pedro e veio a Portugal fazer pesquisa no Palácio da Bolsa. Para mim, o Brasil é o Brasil e não tem complexos em relação a Portugal. E Portugal não tem complexos em relação ao Brasil. O que não quer dizer que não haja exceções.
Mas a ideia que ele defende é a de que o governo atual repete o período auge da ditadura no Brasil, quando os restos mortais de D. Pedro foram transferidos, em 1972.
São questões de política brasileira. Mas eu não vou emprestar o coração de D. Pedro ao governo atual. E nem é o governo português que vai apresentar. O que nos foi pedido, foi pedido pelo Brasil. D. Pedro era imperador do Brasil, um liberal, foi o homem que entrou no Porto e que libertou o Porto dos absolutistas. Não há mais liberal do que D. Pedro, que seguramente não era sectário. E comentários sectários sobre política brasileira não me ouvirão fazer.
Mas teme que haja uso eleitoral do empréstimo do coração?
Não me diz respeito, mas acho que não. O coração de D. Pedro não tem nada a ver com isso. Não vejo que haja (uso eleitoral), não sou neocolonialista e não tenho visão de tutela da política brasileira. O Estado pede, é um povo irmão. E tenho enorme honra por um rei de Portugal ter sido o primeiro imperador do Brasil.