Pressionado por impeachment, Lira articula proposta de semipresidencialismo

Foto: REUTERS/Ueslei Marcelino
Foto: REUTERS/Ueslei Marcelino
  • Para evitar processo de impeachment, Lira estuda apoiar ideia de semipresidencialismo

  • Pressionado pela CPI da Covid, Bolsonaro vive pior momento de sua gestĂŁo

  • Oposição vĂȘ tentativa de enfraquecer possĂ­vel vitĂłria de Lula, que lidera pesquisas eleitorais para 2022

Pressionado pelos 126 pedidos de impeachment contra o presidente Bolsonaro, o presidente da CĂąmara Arthur Lira (PP-AL) passou a articular nos bastidores uma proposta de emenda Ă  Constituição (PEC) para alterar o sistema eleitoral brasileiro para o semipresidencialismo. Parlamentares que acompanham a discussĂŁo relataram ao Globo que Lira aventou a possibilidade de incluir a mudança de regime jĂĄ na reforma polĂ­tica, desde que houvesse anuĂȘncia dos lĂ­deres partidĂĄrios. A proposta, porĂ©m, deve ter dificuldade para avançar.

O tema foi discutido em reuniĂŁo do colĂ©gio de lĂ­deres na Ășltima semana, como mostrou o jornal “Estado de S.Paulo”. O texto deve enfrentar resistĂȘncias na CĂąmara. O prĂłprio autor da proposta, Samuel Moreira (PSDB-SP), admite dificuldades para a tramitação, mas diz que ainda Ă© cedo. Segundo o tucano, o projeto, protocolado em agosto de 2020, conta com cerca de 40 assinaturas das 171 necessĂĄrias na CĂąmara.

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Na avaliação de Moreira, a discussão do semipresidencialismo aparece em tempos de crise. Para ele, a proposta seria menos traumåtica para a sociedade do que o impeachment:

— Tem uma crise, estĂĄ mal demais o governo, tem problemas como nĂłs cansamos de ter? Se for alterar, por exemplo, vocĂȘ altera o primeiro-ministro. VocĂȘ troca o primeiro-ministro em 48 horas.

Na semana passada, Lira defendeu a proposta ao falar com jornalistas na Cñmara. E disse que, “neste momento, tem que trabalhar mais para por água na fervura do que para botar querosene.”

— Eu nĂŁo posso fazer esse impeachment sozinho. Erra quem pensa que essa responsabilidade Ă© sĂł minha. Ela Ă© uma somatĂłria de caracterĂ­sticas que nĂŁo se configuram. Dito por mim, pelo presidente ACM Neto, pelo ministro Gilmar Mendes, para citar alguns. EntĂŁo, temos que nos acostumar a ter um processo democrĂĄtico. NĂłs defendemos eleiçÔes em 2022. DaĂ­ a possibilidade, muito bem aceita, de votar um semipresidencialismo em 2026, com uma forma de vocĂȘ estabilizar mais o processo polĂ­tico no congresso nacional — disse.

Um interlocutor ligado Ă  proposta afirmou Ă  reportagem que a PEC se tornaria mais viĂĄvel diante do agravamento da crise polĂ­tica, com a popularidade de Bolsonaro jĂĄ em xeque.

A deputada Margarete Coelho (PP-PI) diz que esse é um debate que estå em fase inicial no parlamento e tema frequente de conversas entre líderes, principalmente diante de crises entre Poderes. Ela aposta que a discussão terå mais espaço após encerrada a reforma política e esgotados os debates no colégio de líderes. O objetivo é formar consenso para aprovar o quanto antes a medida, ainda que só vålida para 2026, para que haja tempo de adaptação das instituiçÔes.

— Quando há consenso, há espaço para aprovar mesmo medidas mais fortes como está. Há um cansaço institucional de sucessivas crises e um regime que ofereça estabilidade pode parecer atraente — declarou.

Para o líder da oposição na Cùmara, Alessandro Molon (PSB-RJ), pautar essa proposta é um equívoco sobretudo após dois plebiscitos terem escolhido o presidencialismo como sistema de governo, em 1963 e em 1993:

— A um ano do início do processo eleitoral, debater uma mudança que não se sabe sequer a partir de quando valeria, não faz sentido. (...) Seria uma afronta se os parlamentares decidissem passar por cima da vontade dos eleitores — afirmou ao Globo.

RepercussĂŁo em 2022

Foto: Cris Faga/Anadolu Agency via Getty Images
Foto: Cris Faga/Anadolu Agency via Getty Images

O lĂ­der do PT, deputado Bohn Gass (RS), avalia que a proposta reduz os poderes do presidente e vem Ă  tona diante da ascensĂŁo do ex-presidente Lula (PT) nas pesquisas eleitorais:

— Esse assunto toda vez acontece quando tem possibilidade da esquerda assumir, avançar, com o argumento de que hĂĄ instabilidade. O principal argumento que eles (defensores do projeto) usam Ă© de que o parlamentarismo ou semipresidencialismo traria estabilidade. Isso nĂŁo Ă© verdadeiro: tem paĂ­ses que tĂȘm o parlamentarismo, vivem trocando o primeiro-ministro e tĂȘm instabilidade.

Moreira nega que o texto tenha a intenção de prejudicar um ou outro candidato:

— NĂŁo tem contra o Bolsonaro, nĂŁo tem contra o Lula. NinguĂ©m sabe quem serĂĄ o presidente — diz o autor da PEC.

Para a pesquisadora do LaboratĂłrio de Estudos Eleitorais, de Comunicação PolĂ­tica e OpiniĂŁo PĂșblica da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e do LaboratĂłrio de NeurociĂȘncia Cognitiva e Social da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Carolina Botelho, a tramitação Ă© apressadĂ­ssima:

— A gente estĂĄ no meio de uma crise sanitĂĄria, sem precedentes, um esgotamento de orçamento altĂ­ssimo... Lira tenta passar uma proposta como um trator, exatamente como ele tem feito com as outras coisas. Desde que ele chegou Ă  (presidĂȘncia da) CĂąmara, ele estĂĄ passando tudo o que Ă© em benefĂ­cio prĂłprio, para manter a fonte de poder e tornar o governo Bolsonaro mais dependente dele — analisa a cientista polĂ­tica.