Protestos no Peru chegam a Lima e acumulam quase 50 mortos

PETRÓPOLIS, RJ (FOLHAPRESS) - Entre as tradiçÔes polĂ­ticas do Peru estĂĄ a de o governo de turno definir um mote para o ano que se inicia. Nesta sexta (13), a presidente Dina Boluarte bem que tentou estabelecer um espĂ­rito para 2023, emitindo um decreto para chamĂĄ-lo de "ano da unidade, da paz e do desenvolvimento". Falta combinar com as ruas, nas quais a onda de protestos sĂł faz ganhar força, e com o JudiciĂĄrio.

O dia foi de novas mobilizaçÔes em diferentes cidades, sempre convocadas por apoiadores de Pedro Castillo, lĂ­der deposto da PresidĂȘncia e preso. Nem a cifra acumulada de mortos nos atos, que chegou a 49 de acordo a Defensoria PĂșblica do paĂ­s, freia os movimentos. Na quinta (12), bloqueios de estradas foram reportados em 10 das 25 regiĂ”es, enquanto milhares marcharam na capital, Lima.

A multidĂŁo carregou retratos das vĂ­timas e caixĂ”es de papelĂŁo, clamando por justiça pelos mortos e chamando Dina de assassina. Ex-vice de Castillo, ela assumiu apĂłs o afastamento pelo Congresso do lĂ­der populista, que tentou um golpe de Estado, e Ă© considerada traidora pelos manifestantes. Eles exigem sua renĂșncia, a dissolução do Parlamento, a antecipação das eleiçÔes e a libertação do ex-presidente.

Outra demanda é a convocação de uma Assembleia Constituinte. Promulgada em 1993 pelo ditador Alberto Fujimori, a Carta atual é vista pelos correligionårios de Castillo como um dos fatores responsåveis pela desigualdade socioeconÎmica no país.

A passeata na capital, organizada por sindicatos e grupos camponeses dos Andes peruanos -epicentro dos protestos e região em que se concentrou o eleitorado do populista nas eleiçÔes passadas-, transcorreu sem incidentes. O mesmo cenårio não ocorreu na cidade de Cusco, que serve de base para visitas ao sítio arqueológico de Machu Picchu, principal destino turístico do país.

Um protesto na noite de quarta (11) jĂĄ tinha terminado com mais de 50 feridos, incluindo 19 agentes de segurança, e o hotel Marriott foi alvo de pedras. O aeroporto internacional foi fechado para evitar que manifestantes invadissem a pista -o que tem ocorrido mesmo depois da instauração de um estado de emergĂȘncia. O serviço de trens atĂ© a cidade histĂłrica foi suspenso atĂ© segunda ordem.

Em nota nesta sexta, o Itamaraty recomendou a brasileiros que avaliem a possibilidade de adiar visitas ao Peru, uma vez que a convulsĂŁo social tem dificultado a assistĂȘncia a viajantes. No inĂ­cio dos protestos, cerca de 5.000 turistas chegaram a ficar presos na regiĂŁo de Cusco devido ao fechamento do aeroporto e dos piquetes em estradas.

Bloqueios ainda foram registrados em Arequipa, Madre de Dios, Tacna e Puno. Esta Ășltima provĂ­ncia ainda se vĂȘ Ă s voltas com os funerais de 19 pessoas mortas em decorrĂȘncia dos confrontos na segunda-feira (9), dia em que foi registrado o recorde de Ăłbitos em atos atĂ© agora. Uma das vĂ­timas tinha 16 anos, e outra, um policial, morreu calcinado apĂłs manifestantes supostamente atearem fogo a uma viatura.

O MinistĂ©rio PĂșblico peruano ainda confirmou a abertura de 11 investigaçÔes acerca das mortes causadas por enfrentamentos entre manifestantes e as Forças Armadas nos protestos, que voltaram com força redobrada apĂłs uma trĂ©gua na virada do ano. No inĂ­cio da semana, o ĂłrgĂŁo jĂĄ tinha iniciado uma apuração preliminar envolvendo Dina, o primeiro-ministro, Alberto OtĂĄrola, e outras autoridades, suspeitos dos crimes de genocĂ­dio, homicĂ­dio qualificado e lesĂ”es graves.

No Parlamento, uma deputada apresentou uma denĂșncia constitucional contra todo o gabinete de Dina, tambĂ©m citando os delitos de homicĂ­dio e lesĂ”es na regiĂŁo de Puno. Segundo Kelly Portalatino, o governo infringiu uma sĂ©rie de trechos da Carta ao combater os protestos.

Grupos de direitos humanos acusam as forças de segurança -que, desde a instauração de um estado de emergĂȘncia, combinam polĂ­cia e ExĂ©rcito- de uso excessivo de força na repressĂŁo aos participantes dos atos. Estas, por sua vez, afirmam ser alvos de armas caseiras e explosivos.

Ainda nesta quinta, OtĂĄrola afirmou que a presidente nĂŁo renunciarĂĄ, "nĂŁo porque ela nĂŁo queira", mas em razĂŁo de exigĂȘncias constitucionais. "Deixar a PresidĂȘncia abriria uma brecha muito perigosa para a anarquia e a desordem."

Sem fornecer provas, ele ainda acusou as manifestaçÔes desta quinta de fazerem parte de uma tentativa de golpe de Estado supostamente orquestrada por Castillo e financiada pelo narcotråfico. E afirmou que, em um eventual ensaio de tomada do poder, as forças de segurança defenderiam o atual governo.

O prolongamento da convulsão social levou mais um ministro de Dina a renunciar. À frente da pasta do Trabalho, Eduardo García se juntou aos colegas da Educação e da Cultura que haviam deixado seus cargos em meados de dezembro.

Jå mergulhado em um estado de crise permanente e estrutural, com seis presidentes em seis anos, o Peru estå imerso em convulsão social desde 7 de dezembro, quando Castillo fracassou numa tentativa de golpe ao mandar dissolver o Parlamento, antecipar eleiçÔes e decretar estado de exceção. Destituído pelo Congresso, foi sentenciado à prisão preventiva por 18 meses, acusado de rebelião e conspiração.