Qual a situação da França após protestos contra a reforma da Previdência?

Um dia depois do maior protesto contra a reforma da Previdência promovida pelo presidente liberal Emmanuel Macron, sindicatos e governo estão fazendo campanha por suas posições enquanto a pressão aumenta sobre ambos. Qual é a situação?

- Crescente pressão sindical -

A mobilização entrou, na terça-feira (7), em uma nova fase com o maior protesto até o momento — 1,8 milhão de manifestantes, de acordo com as autoridades, e 3,5 milhões, segundo o sindicato CGT — e com o início de greves prorrogáveis.

As manifestações têm como objetivo forçar o governo a retirar o projeto de lei que pretende adiar a idade de aposentadoria de 62 para 64 anos a partir de 2030 e de antecipar para 2027 a exigência de contribuição por 43 anos (e não 42, como atualmente) para receber a pensão integral.

Depois de cinco grandes manifestações pacíficas em janeiro e fevereiro, os sindicatos decidiram intensificar sua luta diante da recusa do governo Macron e da primeira-ministra, Élisabeth Borne, de recuar da medida.

Os atos, que vão continuar na quinta-feira, estão concentrados em setores-chave como energia e transporte. Os sindicalistas bloqueiam o transporte de combustíveis das refinarias, dos depósitos de gás e de quatro terminais de GNL (gás natural liquefeito).

Os importantes portos de Le Havre, Rouen e Marselha também foram bloqueados temporariamente e trabalhadores em greve do setor elétrico continuam reduzindo a produção de eletricidade.

Os cancelamentos das viagens de trens e as perturbações nos transportes públicos vão continuar nesta quinta, mas em menor medida do que nos dias anteriores. Na quinta e na sexta, haverá novamente entre 20% e 30% de cancelamento de voos nos principais aeroportos.

Os sindicatos convocaram novas manifestações para o sábado e na próxima semana (provavelmente na quarta-feira), e sua luta marcou presença nas manifestações pelo Dia Internacional da Mulher, nesta quarta.

Organizações juvenis também convocaram uma greve estudantil para a quinta. Nesta quarta já houve bloqueios nas universidades.

- Contagem regressiva -

O governo optou por um controverso procedimento parlamentar — um projeto que altera a lei de financiamento da Seguridade Social — que limita o tempo de análise e facilita a aplicação do plano.

As duas câmaras do Parlamento têm agora até 26 de março para adotar o mesmo texto. Caso contrário, o governo pode implementar a medida por meio de uma portaria a partir desta data, algo que nunca aconteceu.

O Senado (Câmara Alta), controlado pela oposição de direita favorável à reforma, tem até o domingo para votar a medida. Já na Assembleia Nacional (Câmara Baixa), o prazo expirou sem tenha chegado a fazê-lo.

Na próxima semana, representantes de ambas as Câmaras devem se reunir para chegar a um texto comum, sobre o qual deputados e senadores devem se pronunciar novamente ou pelo menos tentar, possivelmente em 16 de março.

- Macron quer ganhar tempo -

Com a contagem regressiva em andamento, o governo busca ganhar tempo. Macron está utilizando parte de seu crédito político, visto que a pandemia de covid-19 o obrigou a estacionar uma reforma previdenciária anterior e também contestada em seu primeiro mandato.

No entanto, um editorial divulgado no jornal Libération na quarta-feira considerou "arriscada" a aposta em uma "vitória por desgaste" e alertou que "nada indica que [o governo] possa confiar em uma perda de força" dos protestos.

O presidente, que enfrentou forte reação social em 2018 e 2019 com os “coletes amarelos”, deixou Borne na linha de frente e se concentrou na elaboração da agenda pós-reforma. Macron deve "reformular o projeto para o país", informou à emissora LCI seu aliado, François Bayrou.

Educação, saúde, clima, migração e instituições são alguns dos temas com os quais Macron quer deixar rapidamente para trás a questão previdenciária, uma vez aprovada, e recuperar o fôlego de seu segundo mandato, iniciado em maio.

A situação conta com o apoio da oposição de direita para conseguir aprová-la. Esse cenário lhe permitiria evitar a imagem de "autoritário", caso consiga aplicar a reforma sem ter maioria legislativa.

Na terça-feira, as centrais sindicais tentaram pôr o foco em Macron, pedindo-lhe uma reunião "urgente", sem sucesso. A Presidência sugeriu, então, batessem à porta do gabinete de sua primeira-ministra, cujo porta-voz, Olivier Véran, assegurou que a decisão cabe ao Parlamento.

Apesar disso, os sindicatos estão determinados a manter a pressão mesmo que a reforma seja aprovada. Em 2006, protestos estudantis forçaram o governo da época a retirar um projeto, aprovado, sobre contratos de trabalho para jovens.

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