Quanto tempo podemos viver sem deixar o Paulo Guedes chateado?

Brazil's Economy Minister Paulo Guedes speaks during a ceremony to launch a program to expand access to credit at the Planalto Palace in Brasilia, Brazil, August 19, 2020. REUTERS/Adriano Machado
O ministro da Economia, Paulo Guedes. Foto: Adriano Machado/Reuters

O quanto a gente pode viver sem deixar o Paulo Guedes chateado?

A pergunta foi levantada no Twitter pelo fotógrafo e colunista do jornal O Globo Leo Aversa.

A dúvida também me acompanha desde que o ministro da Economia afirmou, durante uma reunião do Conselho de Saúde Complementar, que o Estado quebrou porque não dá conta de atender todo mundo que pretende viver “100 anos, 120, 130”. “Não há capacidade de investimento para que o Estado consiga acompanhar”, diagnosticou o Posto Ipiranga.

Quem achava que a reforma da Previdência havia sido aprovada, com o patrocínio do atual governo, justamente para ajustar o tempo de contribuição com o aumento da expectativa de vida no país acaba de descobrir que o ministro não está ainda satisfeito. E que talvez seja uma boa hora para reexibir na TV aquele episódio clássico da Família Dinossauro em que, a certa altura da vida, os quadrúpedes mais velhos eram arremessados de um penhasco para não dar trabalho aos filhos e netos em idade produtiva. (Ok, estou pensando agora se devo apagar a referência para não dar ideia).

A declaração entra na estante das queixas memoráveis de Paulo Guedes a respeito das mudanças demográficas e socioeconômicas do país.

Tempos atrás, o ministro relembrou em tom choroso dos tempos em que, com o câmbio a R$ 1,80, todo mundo ia para a Disneylândia. Inclusive a empregada doméstica. Uma farra danada, conforme descreveu.

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Antes ainda o ministro havia dito que o pior inimigo do meio ambiente era a pobreza. “As pessoas destroem o meio ambiente porque precisam comer.”

Mais do que uma certa demofobia impregnada, o diagnóstico pedestre sobre noções básicas de retorno de investimento poderia, isso sim, afastar quem quiser contratar os serviços de oráculo da economia após sua passagem meteórica pelo governo. O cálculo é mais ou menos assim: “Está sem dinheiro para comprar arroz e feijão? Fácil. Compre um trator, correntões e motosserras, destrua um hectare de floresta, faça você mesmo a sua estrada e plante seu próprio almoço”. Não é simples?

Está certo que o governo gosta de brigar com os números e não faz o menor esforço para realizar o Censo 2021, hoje tema de disputa judicial por ordem do ministro do STF Marco Aurélio Mello. Mas não custa (mesmo, é de graça) a Paulo Guedes dar uma olhada nos dados de 2017 levantados pelo IBGE a respeito da expectativa de vida ao nascer no Brasil.

O ministro corre o risco de descobrir que existem vários países nessa disposição geográfica que seu chefe gosta de chamar de pátria. Na média, um brasileiro pode até sonhar com uma festa de centenário, mas viverá mesmo até os 76 anos. Dependendo da profissão, vai parar de trabalhar faltando de cinco a dez anos para o dia em que o Estado poderá celebrar o cancelamento de seu CPF.

A depender do estado, a chance de morrer logo depois de aposentar a enxada ou outro utensílio para a sobrevivência é mais alta. No Maranhão, por exemplo, a expectativa de vida ao nascer é de 70,9 anos.

Fica difícil não associar a fala do ministro com a tranquilidade de seu chefe durante os primeiros meses da pandemia, quando o coronavírus era ainda associado a uma doença de “velhos” — enquanto pessoas com histórico de atleta e energia para gerar renda para os patrões, segundo Jair Bolsonaro, seriam poupados do corte demográfico.

Curiosamente, foi só quando os pais começaram a enterrar seus filhos, e não só seus avós, que grupos sociais organizados resolveram cobrar do presidente uma postura menos negligente em relação ao surto de contaminação e a urgência da vacina. Os esforços de alguns desses grupos em furar a fila das camadas prioritárias na vacinação apenas escondem o que, por falta de filtro ou pudor, Paulo Guedes manifesta entre dentes.

O Posto Ipiranga de Bolsonaro já entrou para a história. Não pelos índices de retomada da atividade econômica prometidos, mas pela alavanca de produção de memes nas redes sociais —uma das poucas instituições ainda pulsantes do Brasil.

Um desses memes coloca o ministro como o menino de sapatênis e marcas de meia na canela perguntando se o senhor ou a senhora poderia, por favor, falecer logo para não atrapalhar o sistema público de atendimento. Vamos pensar sobre o assunto, ministro.