Relatos de agressão física contra trabalhadores resgatados no RS são os primeiros desde 2000
As agressões físicas relatadas por trabalhadores resgatados da situação análoga à escravidão em vinícolas em Bento Gonçalves (RS) chamou a atenção dos fiscais do trabalho. Esse tipo de crime não é comum atualmente, segundo o Chefe da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo, Maurício Fagundes. Os últimos casos registrados são de 1995 e 2000, quando o grupo móvel passou a atuar no país.
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— Já houve registros de agressão física, mas lá atrás, quando o grupo móvel foi criado. Atualmente, não é comum. O que se viu no Sul foi uma verdadeira senzala moderna - destacou Fagundes.
Também chama atenção o crescimento da participação do Sul nos flagrantes de trabalho escravo. A região ainda é a última do ranking, mas o número de trabalhadores liberados mais do que dobrou entre 2021 e 2022, saindo de 112 para 231.
Entre 1995 e 2022, quando teve início a série histórica do Ministério do Trabalho, foram resgatados 2.803 trabalhadores nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná e de Santa Catarina. O Paraná respondeu pelas maiores ocorrências, com 1.218 casos.
A região Norte ocupa o topo da lista, com 18.253 trabalhadores resgatados, sendo 13.423 só no Pará. Centro-Oeste aparece em segundo lugar, com 13.988, puxado por Mato Grosso com 6.193 casos. Em terceiro, está a região Nordeste, com 11.083 trabalhadores resgatados, com destaque para o Maranhão, com 3.595. No Sudeste, foram libertados 10.979, sendo 6.206 em Minas Gerais.
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O flagrante nas vinícolas também surpreendeu por ser um setor estreante no resgate de trabalhadores em situação análogas à escravidão. A produção de carvão mineral, lavoura de cana-de-açúcar no Norte, Nordeste e Centro-Oeste, e de café e alho em Minas Gerais são as atividades com maior índice de ocorrências.
Segundo Fagundes, o problema é menor em setores com destaque na pauta de exportação por causa de exigências de países compradores em relação a desmatamento e trabalho escravo.
A quantidade de trabalhadores libertados cresceu nos últimos dois anos, atingindo 4.534. O número coincide com a criação do sistema de denúncias batizado de Ipê, em parceria com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), que entrou em funcionamento em outubro de 2020.
As denúncias que até então não passavam de 500 por ano subiram para 999 em 2021 e 1.601 em 2022. Em apenas dois meses, foram recebidas 397 em 2023.
— O sistema funciona 24 horas e recebe denúncias anônimas — explicou Fagundes.
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Por outro lado, ações efetivas de combate ao trabalho escravo, como a lista suja com os nomes de pessoas físicas e jurídicas flagradas, e a proibição de acesso a crédito nos bancos públicos, perderam prioridade nos dois últimos governos. Embora atualizada duas vezes no ano, em abril e outubro, a lista deixou de ter publicidade.
O ex-presidente Michel Temer, por exemplo, tentou flexibilizar as condições de trabalho análogas à escravidão, mas a medida foi derrubada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Em 2017, foram incluídos 131 nomes na lista. O número baixou consecutivamente até atingir 33 em 2021. No ano passado, foram acrescentados 147 nomes.
— Não adianta atualizar a lista suja se ela não tem publicidade — disse Fagundes.
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Ele observou que, além de elevar a verba para a área de fiscalização, é preciso reforçar o quadro de auditores fiscais, atualmente em 1.949 para todo o país. O auge dos desembolsos para operações ocorreu em 2007 e 2008, quando foram resgatados 11.378 trabalhadores. A verba despencou nos anos seguintes.