Rio Grande do Sul tem mais de 290 trabalhadores resgatados só em 2023, quase o dobro do registrado em 2022
O número de trabalhadores resgatados pelas autoridades por estarem submetidos a condições análogas à escravidão no Rio Grande do Sul disparou este ano. Já são mais de 290 pessoas retiradas dessas condições como resultado de operações realizadas por autoridades. É quase o dobro do total registrado no ano passado, que foi de 156, segundo dados do Ministério Público do Trabalho gaúcho (MPT-RS).
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Grande parte desses trabalhadores foram resgatados em operação realizada em conjunto pela Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal e o Ministério do Trabalho em vinícolas de Bento Gonçalves, com 207. Eles relataram que estavam sem receber pagamento, sofriam agressões físicas e cumpriam jornadas extenuantes.
Todos trabalhavam para uma empresa que fornecia mão de obra terceirizada às vinícolas Aurora, Salton e Cooperativa Garibaldi.
No país como um todo, o número também vem subindo de forma relevante, tendo alcançado 2.469 no ano passado, o maior patamar desde 2012, quando houve 2.604 resgates, de acordo com dados levantados pelo sistema de buscas da Secretaria de Inspeção do Trabalho do governo federal.
O que explica o aumento de casos
O procurador Lucas Santos Fernandes, coordenador regional da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (Conaete) do MPT-RS, explica que esse aumento é resultado de uma combinação de fatores.
— Um deles encontra-se no crescimento dos índices de pobreza e na maior vulnerabilidade social resultado tanto da crise econômica quanto ainda dos efeitos da pandemia de Covid-19. Com o maior grau de vulnerabilidade econômica provocado pela crise, aumentam os casos de trabalhadores desesperados dispostos a acreditar em falsas propostas de emprego, atraentes quando feitas, mas que se revelam uma armadilha quando o trabalhador finalmente chega ao local de trabalho — contou ele.
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Outro elemento, continua Fernandes, vem da parte da sociedade:
— Parece haver uma maior conscientização da sociedade quanto ao tamanho e à gravidade do problema, que se reflete no aumento do número de denúncias. A sociedade está mais consciente e alerta, o que permite que a fiscalização esteja presente em um maior número de casos, com maior sucesso.
Resgate em fazendas de arroz
Na última sexta-feira, foi realizada uma operação conjunta por Ministério Público do Trabalho, Ministério do Trabalho e Emprego e Polícia Federal em fazendas produtoras de arroz na região de Uruguaiana, após denúncia de que haveria jovens trabalhando em situação irregular e sem carteira assinada na propriedade.
A operação, liderada pelos procuradores Franciele D’Ambros e Hermano Martins Domingues, encontrou, de início, 56 trabalhadores em situação análoga à escravidão. O número, contudo, foi atualizado nesta segunda-feira para 82, sendo que 11 deles são adolescentes de 14 a 17 anos de idade. É o segundo maior resgate no estado depois do caso de Bento Gonçalves com 207.
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Em depoimento, os trabalhadores resgatados contaram que foram contratados para cortar o arroz vermelho, que é uma gramínea daninha que cresce junto ao arroz cultivado e precisa ser removida para não resultar em perdas ao cultivo. A função era desempenhada com instrumentos que tinham de ser providenciados pelos próprios trabalhadores. Com isso, muitos deles contavam apenas com uma faca de serra de cozinha.
Em paralelo, a aplicação de agrotóxico na lavoura era feita sem o uso de equipamentos de proteção individual. E, muitas vezes, os trabalhadores contaram que era preciso caminhar por 50 minutos sob o sol até o local de trabalho.
Eles recebiam R$ 100 por dia, e não havia fornecimento, além das ferramentas e equipamentos de trabalho, de alimentação. Como também não havia água potável ou geladeira disponível, a comida levada pelos trabalhadores estragava rotineiramente, o que fazia com que muitos ficassem sem comer. Quem adoecia era descontado do pagamento.
Reparação aos trabalhadores
Haveria ainda venda de drogas durante a jornada de trabalho.
Todos os 82 resgatados eram originalmente da região, vindos sobretudo de São Borga, Alegrete e da própria Uruguaiana. O homem que atuava como agenciador dessa mão de obra foi preso em flagrante, levado preso, mas solto após pagamento de fiança no fim de semana.
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O MPT e a Defensoria Pública da União acordaram que os trabalhadores devem receber três parcelas de seguro-desemprego, verbas rescisórias e registro das carteiras de trabalho. O Ministério Público vai atuar também para que essas pessoas recebam indenizações por danos morais individuais e coletivos. Antes, contudo, é preciso regularizar a situação dos resgatados já que muito sequer contam com documentação nem conta em banco.
Trabalhadores resgatados em situação análoga à escravidão no RS:
2023: 290
2022: 156
2021: 76
2020: 5
2019: 2
2018: 0
2017: 6
2016: 17
2015: 32
2014: 1
2013: 44
Fonte: MPT-RS, com base em dados da Gerência regional do Trabalho / Ministério do Trabalho e Emprego