Senadores americanos apontam 'retrocesso da democracia no Brasil' em sabatina de indicada de Biden para embaixada
A sabatina para confirmação de Elizabeth Bagley, indicada do presidente americano Joe Biden para a embaixada dos Estados Unidos no Brasil, se converteu em espaço para que os senadores americanos expressassem preocupação com o que qualificaram como "retrocessos da democracia no Brasil".
Em diversas perguntas e comentĂĄrios dirigidos Ă diplomata na quarta-feira (18/5), os legisladores anteviram dificuldades para o pleito brasileiro de 2022, descreveram o presidente Jair Bolsonaro (PL) como um lĂder que "tem tentado minar as eleiçÔes" e questionaram as medidas que a diplomata tomaria para assegurar a democracia.
"A relação bilateral com o Brasil exigirĂĄ um forte porta-voz (dos Estados Unidos) no Brasil, principalmente enquanto o paĂs se prepara para contenciosas eleiçÔes presidenciais em outubro", afirmou o senador democrata Edward J. Markey, de Massachussets.
Bolsonaro, candidato Ă reeleição, aparece em segundo lugar nas pesquisas de intenção de votos e tem lançado dĂșvidas sobre a integridade das urnas eletrĂŽnicas e sugerido que as Forças Armadas deveriam participar da contagem dos votos.
"VocĂȘ estĂĄ indo para um paĂs onde o retrocesso democrĂĄtico Ă© uma preocupação real. Estamos preocupados com o atual lĂder do Brasil, que tem tentado minar a essĂȘncia do processo eleitoral", afirmou o senador democrata Bob Menendez, de New Jersey, e presidente da ComissĂŁo de RelaçÔes Exteriores.
Em outra intervenção, Menendez citou o presidente pelo nome: "Bolsonaro tem tentado enfraquecer o processo eleitoral. Que medidas podemos tomar para apoiar a integridade e o resultado democråtico das eleiçÔes?".
JĂĄ a senadora democrata Jeanne Shaheen, de New Hampshire, concentrou sua questĂŁo no que qualificou como "retrocesso que estĂĄ acontecendo no Brasil".
"Isso Ă© uma grande preocupação porque, como todos (os senadores) apontaram, o Brasil Ă© um paĂs muito importante na AmĂ©rica Latina, com muitos recursos que sĂŁo importantes para o mundo. E vimos incursĂ”es significativas por parte da RĂșssia e da China junto ao Brasil e ao presidente Bolsonaro", afirmou Shaheen.
O senador democrata Tim Kaine, da Virginia, foi ainda mais claro que a colega na menção Ă RĂșssia, ao relembrar que Bolsonaro expressou "solidariedade ao povo russo" em visita a Vladimir Putin, em Moscou, em fevereiro, dias antes da invasĂŁo comandada pelo Kremlin Ă UcrĂąnia.
"Estou intrigado com a atração de Bolsonaro por Putin, a visita Ă RĂșssia pouco antes da invasĂŁo da UcrĂąnia, o fato de que eles nĂŁo estĂŁo dispostos a chamar a guerra pelo que Ă©. Eu sei que hĂĄ uma eleição acontecendo", afirmou Kaine.
A BBC News Brasil procurou o Planalto e o Itamaraty para comentar as declaraçÔes, e a reportagem serå atualizada assim que houver algum posicionamento.
'França e Guedes moderados'
Em sua sabatina, Bagley reconheceu a tensĂŁo do momento, mas mediu as palavras em suas respostas.
"Bolsonaro tem dito muitas coisas, mas o Brasil tem sido uma democracia, tem instituiçÔes democrĂĄticas, JudiciĂĄrio e Legislativo independentes, liberdade de expressĂŁo. Eles tĂȘm todas as instituiçÔes democrĂĄticas para realizar eleiçÔes livres e justas. Eu sei que nĂŁo serĂĄ um processo fĂĄcil, por todos os comentĂĄrios dele (Bolsonaro), mas, a despeito disso, temos todas essas instituiçÔes e continuaremos expressando confiança e expectativa em uma eleição justa", disse Bagley aos senadores.
Ela ainda fez elogios à atuação do ministro de RelaçÔes Exteriores, Carlos França, e ao ministro da Economia, Paulo Guedes, que segundo Bagley são "moderados" e cuja atuação acaba "desmentida" pelas declaraçÔes de Bolsonaro.
"Acho que muitas das declaraçÔes de Bolsonaro desmentem o que seus diplomatas e seu governo estĂŁo fazendo. O chanceler França na verdade Ă© muito moderado, e o ministro Guedes tambĂ©m Ă© moderado. Na verdade, o Brasil tem sido muito bons em termos de votos na ONU", afirmou Bagley, em referĂȘncia ao fato de o Brasil ter se alinhado Ă posição americana tanto no Conselho de Segurança quanto na Assembleia Geral das NaçÔes Unidas para condenar as açÔes russas, a despeito das palavras simpĂĄticas de Bolsonaro a Putin.
HĂĄ dez dias, em entrevista Ă BBC News Brasil, a subsecretĂĄria de Estado Victoria Nuland afirmou que os americanos alertaram o Brasil sobre a possibilidade de interferĂȘncia russa no pleito.
Questionada pela BBC News Brasil ao final do evento sobre se chegaria Ă BrasĂlia a tempo de acompanhar presencialmente o pleito, em outubro, ela disse que "nĂŁo tinha certeza". A confirmação de embaixadores para postos estratĂ©gicos no exterior, que fica a cargo do Senado, tem demorado meses mesmo apĂłs a sabatina.
Os republicanos tĂȘm imposto um ritmo lento Ă s aprovaçÔes, o que tem deixado o governo Biden sem muitas representaçÔes-chave no exterior.
AmazĂŽnia e Huawei
Bagley tambĂ©m afirmou que a questĂŁo da AmazĂŽnia serĂĄ prioritĂĄria em seu trabalho. "Uma das minhas maiores prioridades serĂĄ encorajar esforços para aumentar a ambição climĂĄtica e reduzir dramaticamente o desmatamento, proteger os defensores (da floresta) e processar crimes ambientais e atos de violĂȘncia correlatos", disse em seus comentĂĄrios iniciais.
E elogiou o compromisso do Brasil de zerar o desmatamento ilegal até 2025, embora tenha reconhecido que pouco foi feito nesse sentido até agora. A gestão Bolsonaro tem acumulado recordes de redução da cobertura amazÎnica.
Sobre o assunto, o senador democrata Brian Schatz, do HavaĂ, questionou o compromisso brasileiro com as metas firmadas por Bolsonaro no ano passado, na COP-26. "(A meta de) 2025 Ă© alarmante porque nĂŁo tem como, nĂŁo tem jeito de eles (brasileiros) atingirem essas metas. EntĂŁo, precisamos trabalhar para melhorar a transparĂȘncia, relatĂłrios e fiscalização, jĂĄ que Ă© um desafio interagir com o governo brasileiro (no assunto)", disse Schatz.
A conservação de florestas tropicais é tratada como uma prioridade da gestão Biden e um dos temas de atrito entre Brasil e Estados Unidos. "Obviamente, o governo Biden é um governo mais de esquerda. Um governo que tem quase uma obsessão pela questão ambiental, então, isso atrapalha um pouquinho a gente", afirmou Bolsonaro em agosto do ano passado.
Na sabatina de Bagley, os legisladores democratas dominaram os trabalhos, que contou com intervençÔes rĂĄpidas de apenas dois senadores republicanos, concentrados nas questĂ”es da influĂȘncia da China e do 5G em seus comentĂĄrios.
Em consonùncia com a agenda do governo anterior ao de Biden, o do republicano Donald Trump, Bagley deixou claro que seguirå pressionando o Brasil para que não adote tecnologia da gigante chinesa Huawei em sua rede 5G. Apesar da pressão dos americanos, o Brasil optou por não restringir a participação da empresa chinesa em suas redes de telecomunicaçÔes.
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