Sobrevivente de Aracruz: 'Não sentia minhas pernas após ser baleada'
Professora sobrevivente ao atentado em Aracruz relata como tudo aconteceu;
Priscila Queiroz levou dois tiros, mas passa bem;
Ela conta que, na hora do ataque, não conseguia sentir direito as pernas.
A professora de língua portuguesa Priscila Queiroz sente que renasceu aos 40 anos de idade. Uma das sobreviventes do atentado em Aracruz, no Espírito Santo, a profissional relata o desespero que sentiu ao levar dois tiros na última sexta-feira (25), quando um adolescente de 16 anos invadiu duas escolas e matou quatro pessoas.
"Achei que tinha ficado paraplégica, nem conseguia sentir direito as pernas, tamanho o susto, o choque, o pavor daquela cena. Só quando ele [o atirador] deixou a sala dos professores, eu consegui focar nas pernas e vi que elas estavam respondendo. Isso foi um alívio. Mas eu estava rodeada por uma poça com meu próprio sangue”, relembra, em entrevista ao UOL.
Priscila leciona há dois anos na Escola Estadual Primo Bitti, a primeira a ser atacada pelo criminoso. Ela conta que, na hora do atentado, ela estava na sala dos professores com outros colegas de trabalho e os alunos no pátio, na hora do recreio. “Estávamos preparados para voltar para as classes quando eu ouvi os primeiros estampidos”, relata. “De repente, essa pessoa vestida com roupa do exército invadiu a sala e atirou”.
As cenas que se seguiram demoraram a fazer sentido na cabeça de Priscila, indígena da etnia tupiniquim. "Não venho de uma cultura de violência. Eu ouvi os disparos, mas não entendi. Só depois que olhei para trás e vi duas colegas caindo ao chão e, depois, outra amiga caindo ao meu lado. Foi aí que comecei a me dar conta. Mas, nessa hora, eu mesma já tinha levado dois tiros. Daí, olhei para trás novamente e vi aquela pessoa, com a arma na mão. E também caí ao chão”.
Uma das balas pegou nas costas da professora, atravessou seu ombro e quebrou a clavícula. A outra atingiu o braço de raspão. Tentando manter a calma e permanecer lúcida, Priscila focou os pensamentos em orações.
"Eu apenas orava e clamava a Deus para que aquele homem fosse embora logo e que todos pudessem ter sobrevivido. Mas, depois, soube que havia perdido três das minhas amigas queridas. Professoras maravilhosas, cujas famílias agora devem estar sofrendo muito", comentou. Outras cinco pessoas seguem internadas.
O adolescente que invadiu a escola havia estudado lá até junho deste ano, quando iniciou um processo de transferência. Priscila não deu aulas para ele, mas ouvia de colegas que era um rapaz calado, “na dele”, sem nunca ter demonstrado inclinações para a violência. “Minhas colegas estão sem entender como ele pôde fazer o que fez”.
Contra o porte de armas, a docente afirma que ainda está “em choque” e que “a ficha não caiu”. Ela afirma que irá focar na recuperação do corpo e pedir “a Deus que cure as feridas da alma”.
"Escolhi essa profissão por amor, porque acredito ser possível mudar uma sociedade com bons livros, conhecimento, empatia, amor. Desenvolvendo virtudes [...] "Há tanta coisa maravilhosa para colocar nas mãos dos nossos filhos, como livros, conhecimento, empatia, amor pela família. Quer colocar um machado na mão do seu filho? Coloque então um Machado de Assis. Temos que esquecer o ódio e cultivar o amor. As armas não edificam uma sociedade”.
Linha do tempo do ataque à escola em Aracruz:
Pouco antes do meio-dia de sexta-feira (25), duas escolas foram atacadas por pessoas armadas
Por volta das 14h da sexta (25), as aulas foram suspensas em todas as escolas de Aracruz
Câmeras de segurança mostraram os momentos do ataque e foram divulgadas na tarde da sexta (25)