De surfista a empresário da música: ex-agente de Jota Quest e O Rappa promove volta do Hoodoo Gurus ao Brasil

Fazer das próprias paixões uma profissão pode ser um desafio, mas o empresário Ricardo Chantilly, de 56 anos, encontrou a fórmula. Amante de surfe e música, ele fez de suas preferências pessoais a base de sua vida profissional. Atualmente, prepara a volta ao Brasil da banda Hoodoo Gurus, ícone da surf music, para um show que será o pontapé da retomada do seu projeto Australian Connection. Recentemente, o morador da Barra descobriu também uma nova paixão: os projetos sociais. No momento, está empenhado no AfroGames, centro de formação de atletas de esportes eletrônicos em favelas que toca em parceria com a ONG AfroReggae.

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Chantilly — nome de uma grife de surfwear que teve e acabou substituindo o Novaes, seu sobrenome verdadeiro — começou a pegar onda aos 15 anos, mas se considerava um surfista inexpressivo. A alternativa para se manter perto do esporte na fase adulta foi se tornar árbitro de competições. Após ser considerado o melhor juiz carioca e brasileiro de bodyboard, acabou convidado para atuar na Austrália, em março de 1989, e foi o primeiro árbitro do país a trabalhar no campeonato mundial da modalidade em Pipeline, no Havaí, em janeiro de 1990.

Também apreciador de rock, ele aproveitou a estada no exterior para conhecer de perto bandas australianas de sucesso. Quando voltou ao Brasil, em 1991, aceitou um convite para comandar um programa de surfe que durou até 1994 na Rádio Fluminense FM. Foi assim que uniu pela primeira vez os dois universos que o encantam. Com o fim da emissora, lançou-se como empresário da música. Uma de suas primeiras iniciativas foi a criação do Australian Connection, projeto pelo qual trazia, todo ano, quatro bandas australianas ligadas à comunidade do surfe para fazer shows no Brasil.

Uma das que vieram na estreia da iniciativa, em 1997, a Hoodoo Gurus fará uma nova turnê no país, incluindo um show no Qualistage, na Barra, no dia 14 de abril. E Chantilly é mais uma vez um dos responsáveis pela vinda do grupo australiano.

— Quando fui juiz de surfe na Austrália, assisti a um show da banda e gostei muito. Depois, fiz contato com o empresário deles, por causa do meu programa na rádio, que, inclusive, tinha como trilha de abertura uma de suas músicas, “Out that door”. Em julho de 1994, voltei ao país para pegar onda e entrevistei o vocalista Dave Faulkner. Acabamos nos tornando amigos. Em 1997, eles aceitaram meu convite para o Australian Connection — conta Chantilly. — Desta vez, o empresário deles me ligou, pedindo que eu o ajudasse a montar a turnê deste ano no Brasil. Os ingressos estão sendo muito procurados.

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Foi a partir do interesse do público pela volta do Hoodoo Gurus que Chantilly decidiu retomar o Australian Connection. Diz que em breve deve anunciar a vinda de outras bandas. Para ele, o show dos roqueiros australianos será uma oportunidade de reunir amigos de outros carnavais.

— As músicas deles falam de histórias de amor e do cotidiano. É um rock que tem uma sonoridade muito boa. E eles têm um impacto muito grande no palco. Em 1997, a canção “Out that door” não era famosa na Austrália; só no Brasil, por causa do meu programa. Quando eles vieram, eu disse que teriam que cantá-la no show, e foi uma catarse. Agora, o lema é: o melhor verão da sua vida está de volta. É uma forma de reviver a juventude, divertindo-se como se fosse em décadas passadas e não houvesse dia seguinte.

Chantilly também deixou sua marca em grupos de sucesso no Brasil. Em 1997, foi apresentado ao Jota Quest e, do ano seguinte até 2005, empresariou a banda, tendo assinado a produção executiva do disco “De volta ao Planeta dos Macacos”, que tem canções como “Fácil”. Em 2010, o cantor Marcelo Falcão o convidou para ser seu empresário num projeto solo e, em seguida, para gerir o Rappa — o que foi motivo de controvérsia na banda. Trabalhou com o grupo de 2011 até sua extinção, em 2018. Ele foi ainda um dos responsáveis pelo lançamento do Skank, nos anos 1990:

— Tenho uma história muito interessante com o Skank. A gravadora me mostrou o primeiro disco e achei maravilhoso. Era uma banda completamente nova e resolvi colocar a música deles para tocar à beça na Rádio Fluminense. A gravadora disse também que tinha um show promocional para dar para a rádio, em um possível evento. Aceitei, pedi autorização à prefeitura e promovi o primeiro show deles no Rio, no Parque Garota de Ipanema, no Arpoador, em janeiro de 1994, de graça. Era um domingo à tarde, e o local ficou lotado. Foi memorável.

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O empresário revela como aprendeu a fazer de suas paixões pessoais negócios bem-sucedidos:

— Sempre fui muito curioso e gosto de aprender. Em 1991, depois que estudei inglês, fiz um curso de marketing na Universidade da Califórnia, em Los Angeles, e estudei com grandes referências da área na época, que ampliaram muito a minha visão. Outro mestre foi Peter Garret, vocalista do Midnight Oil (banda australiana de rock). Durante uma turnê em 1997, em Florianópolis, ele me ensinou que uma banda é uma empresa, que tem a parte artística, mas também responsabilidades com processos, equipes, negociações, pagamentos, leis trabalhistas... E essa mentalidade eu implementei no Jota Quest, que até hoje é um exemplo de profissionalismo.

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Um outro universo que Ricardo Chantilly começou a desbravar mais recentemente foi o das causas sociais, tornando-se diretor-executivo do AfroGames, centro de formação de atletas de e-sports em favelas. Criado em 2019, o projeto é resultado de uma parceria entre a Chantilly Produções e o Grupo Cultural AfroReggae. Com quatro unidades — duas no Complexo da Maré, uma no Vidigal e uma no Morro do Estado, em Niterói —, o programa atende, gratuitamente, 500 jovens, com aulas de diferentes modalidades de programação de jogos e de inglês.

— Um dos amigos que fiz na vida foi o José Junior, fundador do AfroReggae. Em 2017, ele me chamou para um projeto de música, mas naquele momento eu estava com o olhar voltado para o mercado de games, depois de rodar o Brasil em eventos da área e perceber que o setor estava despontando. Apresentei alguns números e vídeos para ele e sugeri que criássemos algo em torno dos jogos eletrônicos. Quando terminei a apresentação, ele falou: “Não vi nenhum negro jogando e nenhum negro do seu lado na arquibancada”. Foi uma pancada, porque eu não tinha essa consciência social, que adquiri com ele. Assim nasceu o AfroGames — relata.

Ele destaca o impacto do programa:

— É simplesmente a mudança da história de 500 famílias, porque quebramos a barreira que existe para a chegada da tecnologia nas favelas, levando até elas conhecimento de altíssimo nível, com a melhor infraestrutura. Há jovens que estavam no crime e saíram. Além disso, todo atleta nosso ganha um salário mínimo, e, no período mais crítico da pandemia, alguns deles eram a única fonte de renda em casa.

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Para o show da Hoodoo Gurus, o empresário criou uma ação chamada Surfista Solidário, em parceria com a Confederação Brasileira de Surfe. A iniciativa garante meia-entrada aos esportistas que doarem qualquer acessório da modalidade. O material arrecadado será destinado à Rocinha Surfe Escola, que existe há mais de 30 anos na comunidade e cujos alunos foram convidados para assistir ao show de graça.

Entre um projeto e outro, Chantilly continua surfando na Praia da Barra. E descobriu também o prazer de se ver sobre uma prancha com vela, movida pelo vento.

— Tento pegar onda toda semana, mas todo ano fico 15 dias velejando de kitesurfe em Jericoacoara, no Ceará — conta.