'Tô na correria', 'é de urgência', 'tem que tirar tudo': a insistência do enviado por Bolsonaro ao tentar retirar joias
Ao chegar ao Aeroporto de Guarulhos no dia 28 de dezembro do ano passado, enviado pelo ainda presidente Jair Bolsonaro, o sargento da Marinha Jairo Moreira da Silva tentou, de diversas maneiras, convencer o auditor da Receita Federal que o atendeu a entregar as joias avaliadas em R$ 16,5 milhões, apreendidas no local pouco mais de um ano antes. Nos diálogos, registrados em vídeos divulgados pelo portal G1, o militar usa uma sequência de frases de efeito para dissuadir a resistência do fiscal alfandegário. O funcionário do Fisco, porém, permaneceu firme, e o conjunto com colar, anel, relógio e um par de brincos de diamante — um presente do governo da Arábia Saudita para a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro — segue retido.
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A conversa entre os dois indica que a principal estratégia adotada pelo sargento foi dar um ar de necessidade imediata para a solução do imbróglio. Logo no início do diálogo, Jairo já avisar estar "na correria" — expressão que ele repete outras vezes. Ele também conta que mora em Brasília e, ao chegar a São Paulo, dirigiu-se de pronto ao posto alfandegário: "Vim direto para cá".
Em outro momento, ao ser informado sobre a necessidade de apresentar um documento para reaver as joias, o militar pondera que a retirada "é de urgência, com certeza". O sargento alega que a pressa seria justificada pela troca iminente na chefia do Executivo, dali a apenas quatro dias. "Isso aqui faz parte da passagem, não pode ter nada do antigo para o próximo. Tem que tirar tudo, tem que levar", frisa.
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Veja, abaixo, a transcrição do diálogo entre Jairo e o funcionário da Receita, com grifo em algumas das falas mais importantes e assertivas do emissário de Bolsonaro.
Jairo: Opa! Como vai?
Auditor: Como vai, tudo bom?
Jairo: Boa tarde, desculpa incomodar.
Auditor: Nada! tudo bom?
Jairo: (se apresenta) Jairo, como vai?
Auditor: Prazer.
Jairo: Deixa eu pegar aqui no celular... Em cima da hora, correria!
Auditor: Então, não tá... Não sei... Deixa eu dar uma olhada.
Jairo: (aponta para o celular e entrega para o auditor) Achei que entraram em contato.
Auditor: (com o celular de Jairo na mão, lendo) Ao senhor Julio Cesar (...)
Jairo liga para o assessor de Bolsonaro, Mauro Cid.
Jairo: Coronel, eu to aqui na alfândega, já. Estou falando com o supervisor deles aqui. Quer falar com ele? Ele falou que não está ciente aqui do que se trata. Posso passar aqui para ele?
Auditor: (faz o sinal de negativo com o dedo para Jairo) Eu não posso falar no celular.
Auditor: Entendeu? Existe uma (documentação) necessária para essa incorporação aí, que é o ADM.
Jairo: É que tô na correria, cara. Passagem de comando, como se diz, né, um entrando, outro saindo.
Auditor: Você não mora em Brasília? Chegou agora de Brasília?
Jairo: Tô chegando agora. Vim direto para cá.
Auditor: Então, assim, esse ADM — que seria para incorporação — seria necessário, e não tem. Não tenho conhecimento também dessa liberação. Não sei onde estaria, talvez no cofre, mas eu não tenho acesso, então... Não sei se teve algum atropelo, assessoria, alguma coisa muito de urgência.
Jairo: Não, é de urgência, com certeza.
Auditor: Mas o clima lá está tranquilo?
Jairo: O clima em Brasília está sempre tranquilo, cara, por incrível que pareça. Assim, tá pegando fogo no Brasil todo. Ahhhh, lá está tranquilo.
Auditor: Está tranquilo? Não tem erro, nada que...
Jairo: Não. Tudo correndo normal. Assim, lá fora o pessoal gritando, e a gente fazendo o que tem que fazer, passagem normal. Tanto que isso aqui faz parte da passagem, não pode ter nada do antigo para o próximo. Tem que tirar tudo, tem que levar. Não pode, é burocrático, é burocracia.
Auditor: A questão é a seguinte. Independentemente de eu ter, de onde esteja, tem que ter o ato de destinação de mercadoria porque é uma incorporação. Não tendo, não teria nem como liberar. Nem se eu pudesse, não teria como liberar. Não estou sabendo.
Jairo: Alô! Ele falou que não pode atender o celular, e mesmo que ele quisesse não poderia liberar, porque não tem um...
Auditor: Um ADM, ADM.
Jairo: Um ADM.
Jairo: Ele falou para o senhor ligar para o Fabiano, o Fabiano está ciente. A ADM já está sendo feita e ele vai assinar daqui a pouquinho. E tu conhece: é em cima da hora mesmo.
Jairo: A ADM está sendo providenciada, já.
Auditor: Aham.
Jairo: Está sendo providenciada a ADM. Ele falou que ele vai assinar.
Auditor: Então vamos aguardar. Essa ADM, se ela for providenciada e ele mandar. Eu não vou ligar para o (diz o nome de outro funcionário da Receita) porque, assim, eu não tenho acesso direto ao (diz o nome novamente). O (diz o nome mais uma vez) está na superintendência. Ele não é da alfândega aqui de Guarulhos. Entendeu? Ele tá como superintendente-adjunto de aduana lá na superintendência, com isso ele ficou como delegado aqui muito tempo. Então vamos aguardar.